Comprova: É falso que vídeo mostra apreensão de diamante gigante retirado da Amazônia por ONG estrangeira
Mineral que aparece em vídeo compartilhado em redes sociais é um tipo de cristal encontrado na Bahia em 2018, e não um diamante contrabandeado da região amazônica
16/10/2019
São falsas as afirmações associadas a um vídeo publicado nas redes sociais que uma pedra preciosa de mais de duas toneladas teria sido apreendida pelo Exército brasileiro ou pela Polícia Federal (PF) em uma organização não governamental (ONG) estrangeira.
A gravação mostra, na verdade, um cristal rutilado encontrado por garimpeiros em 2018 no município baiano de Novo Horizonte. Procurados, o Centro de Comunicação Social do Exército e a assessoria de imprensa da Polícia Federal confirmaram não ter qualquer relação com o vídeo viralizado.
Algumas das postagens identificam o mineral incorretamente como um diamante ou como uma esmeralda, enquanto outras dizem que a pedra foi encontrada na Amazônia e que estaria sendo levada para fora do Brasil. Há ainda versões que alegam que a França seria o destino do cristal.
A informação de que se trata de um cristal foi passada ao Comprova pela Companhia Baiana de Pesquisa Mineral (CBPM), vinculada ao Estado da Bahia, e confirmada com o geólogo Osmar Martins dos Santos, responsável técnico pela cooperativa de garimpeiros da cidade.
Martins dos Santos disse ter analisado o cristal em questão, que foi avaliado em cerca de R$ 1 milhão. De acordo com o geólogo, a pedra pesava em torno de 400 quilos.
A identificação do mineral, assim como a localidade onde foi encontrada, foram corroboradas pelos depoimentos de especialistas em Mineralogia consultados pelo Comprova.
Esta verificação investigou publicações compartilhadas por múltiplos perfis pessoais no Facebook e no Twitter e no canal BomNotíciasTV, no YouTube, desde 8 de setembro.
Falso para o Comprova é o conteúdo divulgado de modo deliberado para espalhar uma mentira.
Como verificamos
Para esta checagem, o Comprova entrevistou os professores especializados em Mineralogia Ciro Ávila, do Museu Nacional; Frederico Vilalva, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN); e Heinrich Theodor Frank, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
Também conversamos com o geólogo Osmar Martins dos Santos, responsável técnico pela cooperativa de garimpeiros do município de Novo Horizonte e com a assessoria de imprensa da Companhia Baiana de Pesquisa Mineral (CBPM). Ainda foram consultados os setores de comunicação do Exército e da PF.
Cristal de Novo Horizonte
Por meio do mecanismo de busca reversa de imagens do Google, que permite pesquisar registros anteriores de uma mesma imagem, o Comprova encontrou capturas de tela do vídeo viralizado em uma reportagem de 30 de agosto de 2019. O artigo relata que a gravação já havia circulado com alegação de que mostrava uma pedra encontrada na cidade de Nordestina, na Bahia.
Para apurar esta informação, o Comprova procurou a Companhia Baiana de Pesquisa Mineral. A empresa esclareceu que a pedra que aparece no vídeo não é um diamante ou uma esmeralda, mas sim um cristal rutilado, encontrado em 2018 no município de Novo Horizonte, e não na Amazônia.
O relato foi confirmado pelo geólogo Osmar Martins dos Santos, responsável técnico pela cooperativa de garimpeiros do município baiano, que afirmou ter analisado o cristal visto no vídeo.
“É bastante comum o cristal rutilado em Novo Horizonte”, disse ao Comprova, acrescentando que o tamanho da pedra que aparece no vídeo não é tão frequente. O geólogo disse ter avaliado a pedra em R$ 1 milhão. “Conheço a pedra e quem tirou”.
Os professores de Mineralogia Frederico Vilalva, da UFRN, e Heinrich Theodor Frank, da UFRGS, analisaram o vídeo a pedido do Comprova e concordaram com a identificação do mineral feita por Martins dos Santos.
“Sim, isso faz sentido”, afirmou Theodor Frank, quando questionado se a pedra vista no vídeo poderia ser um cristal rutilado. “Cristais de quartzo com inclusões de rutilo, na forma de agulhas douradas, são relativamente comuns. Quartzo rutilado se chama isso”, acrescentou.
“Rutilo é um mineral de cor castanho-dourada que parece com agulhas. Eles frequentemente são encontrados como inclusões dentro de cristais de quartzo”, disse Frederico Vilalva, acrescentando que este tipo de formação realmente é encontrada em Novo Horizonte.
O município baiano, por sua vez, não tem qualquer relação com o bioma amazônico, mencionado nas postagens, estando localizado em uma região de Caatinga, a mais de 500 quilômetros de Salvador.
Vilalva acrescentou ainda que cristais muito grandes como o mostrado no vídeo são típicos de rochas chamadas pegmatitos, que não são tão comuns na Amazônia.
Apontado como um dos responsáveis pela suposta apreensão do cristal, o Exército informou ao Comprova, por telefone, que não teve participação na atividade vista no vídeo. A Polícia Federal, mencionada em outras postagens, disse não ter chegado ao seu conhecimento “qualquer ocorrência nos moldes da descrita”.
Diamante de mais de duas toneladas?
Grande parte das publicações viralizadas identifica a pedra vista no vídeo como um diamante — possibilidade descartada por todos os especialistas consultados pelo Comprova.
Ciro Ávila, professor do Museu Nacional, destacou o fato de nunca ter visto relatos de um diamante deste tamanho ou forma. O maior diamante já encontrado no mundo pesava aproximadamente 620 gramas.
O professor de Mineralogia da UFRGS Heinrich Theodor Frank explicou por que isso acontece. “Diamantes sempre apresentam tamanhos pequenos (…) Quero lembrar que diamante se origina na base da litosfera, a 100 ou mais quilômetros de profundidade, sendo transportado para cima num evento vulcânico catastrófico. Pedra grande nenhuma resiste a esse fluxo ascendente destrutivo”, disse ao Comprova.
Além de não ser um diamante, a pedra vista no vídeo não tinha mais de duas toneladas, mas cerca de 400 quilos, como esclareceu o geólogo Osmar Martins dos Santos, responsável técnico pela cooperativa de garimpeiros de Novo Horizonte, onde o mineral foi encontrado.
Contexto
O boato sobre o cristal rutilado envolve quatro elementos que têm sido citados frequentemente em peças de desinformação recentes: a Amazônia, a França, as ONGs e a exploração mineral.
O aumento recente no número de queimadas na Floresta Amazônica levou a uma reação negativa do presidente francês, Emmanuel Macron, que indicou que a política ambiental brasileira poderia colocar em risco o acordo comercial entre os blocos da União Europeia e do Mercosul.
Desde então, Macron e o presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, têm se desentendido. O brasileiro chegou a dizer que não aceitaria a ajuda econômica para combater incêndios oferecida pelo G-7, o grupo dos países mais ricos do mundo, até que o líder francês retirasse “insultos” contra ele.
Outro momento de tensão ocorreu quando o perfil oficial de Bolsonaro no Facebook riu de uma ofensa dirigida à primeira-dama francesa, Brigitte Macron. Em resposta, o presidente francês disse esperar que os brasileiros “tenham um presidente que se comporte à altura”.
Bolsonaro também criou antagonismo com as organizações da sociedade civil. O presidente sugeriu — sem provas — que eram as ONGs que estavam por trás das queimadas na Amazônia. O Observatório do Clima, grupo formado por 50 entidades, reagiu e criticou a “irresponsabilidade” do que chamam de “antipolítica ambiental” do governo.
A Amazônia é considerada uma área estratégica por Bolsonaro. Em abril, ele defendeu a mineração na região, com exploração da Reserva Nacional de Cobre e Associados (Renca). “A Amazônia pode ser uma solução para o mundo e não um problema para nós”, disse ele. “Vocês não terão problema com o ministro do Meio Ambiente, de Minas e Energia ou de qualquer outro.”
A Renca é uma área do tamanho do estado do Espírito Santo, rica em ouro, ferro e cobre. A reserva foi criada em 1984 para assegurar que o governo tivesse monopólio sobre a exploração mineral na região. No entanto, depois foram estabelecidas restrições para a mineração na área, como reservas indígenas e unidades de conservação de proteção integral e de uso sustentável.
O Comprova verificou, no final de agosto, uma publicação que sugeria, de forma enganosa, que as organizações não-governamentais que atuavam na Amazônia estavam interessadas em extrair minério da região.
Outro boato relacionado desmentido pelo Comprova alegava que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva havia vendido o solo da Amazônia para exploração de uma empresa norueguesa de mineração.
Repercussão nas redes
O Comprova verifica conteúdos duvidosos sobre políticas públicas do governo federal que tenham grande potencial de viralização.
Localizamos ao menos três perfis pessoais no Facebook que compartilharam o vídeo com legenda falsa e somavam 323 mil visualizações desde o dia 9 de setembro. A gravação também foi compartilhada no Twitter e obteve 17,8 mil visualizações desde 8 de setembro. No YouTube, a publicação no canal BomNoticiasTV, feita em 10 de setembro, alcançou 174 mil visualizações. As medições foram feitas no dia 12 de setembro.
Os sites Agência Lupa, Boatos.Org e E-Farsas também checaram esse conteúdo.
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Investigação e verificação
Estadão e AFP participaram desta investigação e a sua verificação, pelo processo de crosscheck, foi realizada pelos veículos Correio, Sistema Jornal do Commércio, GaúchaZH, Folha e Poder 360.
Projeto Comprova
Esta reportagem foi elaborada por jornalistas do Projeto Comprova, grupo formado por 24 veículos de imprensa brasileiros, para combater a desinformação. Em 2018, o Comprova monitorou e desmentiu boatos e rumores relacionados à eleição presidencial. A edição deste ano está dedicado a combater a desinformação sobre políticas públicas. O SBT faz parte dessa aliança.
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