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Comprova

Estudo de caso: Avião não apagava incêndio na Amazônia brasileira, mas sim na Bolívia

O Comprova está publicando relatos de algumas de suas investigações para mostrar como e por que investigou conteúdos duvidosos encontrados na internet sobre políticas públicas do governo federal

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Em meio a uma crise internacional gerada pelos incêndios na Amazônia e a uma onda de críticas à falta de ação do governo federal — que chegou a culpar ONGs pelo ocorrido— , as queimadas também foram tema de desinformação nas redes.

O número de focos de incêndio até o dia 1º de setembro de 2019 foi recorde dos últimos nove anos, com 91.891 pontos de fogo. Desses, mais de 50% dos focos de incêndio foram na Amazônia. Nos últimos dez anos, somente 2010 teve um ano pior em queimadas.

O mês de agosto, acompanhando o número geral, também foi o pior da década, com 30.901 focos — novamente, só superado por 2010.

O boato

Diversas páginas e perfis brasileiros no Twitter e no Facebook divulgaram, em setembro de 2019, um vídeo em que era possível ver um avião jogando água sobre uma floresta. Ao fim da gravação, a mulher que filmava comemora e grita de alegria com a queda das gotas de água.

As publicações diziam que as imagens mostravam um avião israelense apagando fogo na Amazônia. A postagem da página República de Curitiba, que foi uma das que mais viralizaram, chegou a mais de 500 mil visualizações e 21 mil compartilhamentos.

Essa não era a primeira vez que circulavam boatos envolvendo o apoio de Israel ao Brasil. Em abril, por exemplo, diversas postagens apontavam uma suposta doação de 15 helicópteros ao Brasil, depois de Bolsonaro ter visitado o país, mas a informação era falsa.

A checagem

Aviões israelenses estavam apagando incêndios no Brasil?

Quem buscasse na internet encontraria textos da última semana de agosto informando que o embaixador de Israel no Brasil, Yossi Shelley, tinha declarado que seu país doaria de 200 a 300 toneladas de um produto químico para ajudar a combater as queimadas na Amazônia.

Na semana seguinte, uma delegação com 11 especialistas israelenses em combate a incêndios e salvamento foi enviada ao Brasil. Diante do alto custo, o país teria desistido de enviar o produto químico.

Com isso, um dos primeiros passos do Comprova foi entrar em contato com o Ministério da Defesa, que afirmou que a ajuda de Israel se deu “por meio do envio de bombeiros militares munidos de equipamentos para combate às chamas”.

Ainda de acordo com o órgão, o Brasil teria recebido duas aeronaves civis do Chile para combater as chamas no Pará. O modelo das aeronaves chilenas não correspondia ao visto no vídeo viralizado.

Quem fez o vídeo original?

Era preciso descobrir onde tinha sido filmado o vídeo em questão. Teria sido mesmo no Brasil, mas com outro avião?

Com o uso do Invid, é possível buscar (por meio de imagens congeladas do vídeo) postagens que compartilham determinada gravação. Basta ter o arquivo do vídeo salvo no computador ou o link do vídeo.

Dessa forma, o Comprova localizou, pela imagem de parte da roda do trator, o mesmo vídeo viralizado em um site holandês.

Mesmo com a ferramenta, chegar a esse site não foi tão simples. Como o vídeo checado trazia uma imagem pouco específica e de pouca qualidade (uma paisagem na floresta com um trator e pouco depois um avião), a busca retornava diversos outros resultados, mas na maior parte das vezes nenhum deles correspondia ao vídeo procurado — algo que acontece em muitas verificações.

A postagem no site holandês era do dia 6 de setembro. Apesar de não parecer ser o registro original, um dos comentários dizia se tratar de um “747 Supertanker”.

O Comprova buscou então no Twitter pelos termos “747 Supertanker” e chegou a um tuíte de 6 de setembro com o mesmo vídeo viralizado, com legenda que afirmava se tratar de um 747 Supertanker apagando incêndios na Amazônia boliviana.

Notícias da CNN e do G1 também informavam sobre o uso do Supertanker no combate ao fogo na Bolívia.

Partindo do forte indício de que o vídeo tinha sido filmado na Bolívia, o Comprova contatou diversas páginas de notícias locais que tinham compartilhado o vídeo, mas nenhuma delas soube informar a origem da filmagem.

Afirmações precisam ser comprovadas

Entre os tuítes, foi localizado o de uma jornalista boliviana que creditava o vídeo a um empresário também boliviano. Em uma notícia, ele aparecia como tendo sido intermediador das negociações entre a empresa dos Estados Unidos e governo boliviano.

O Comprova fez contato com ele, que afirmou ser de fato quem teria filmado o vídeo. Pedimos então os metadados para confirmar. Metadados são como a impressão digital de um arquivo (foto ou vídeo): por meio dessas informações, é possível checar o dia, a hora e o local onde o arquivo foi feito, além do local de armazenamento.

Solicitamos que ele enviasse o vídeo por meio de algum site de transferência de arquivos, visto que pelo Whatsapp e redes sociais os metadados são automaticamente zerados. No entanto, nenhum dos arquivos enviados por ele tinham informações de data, hora ou local.

O próximo passo então foi contatar Dan Reese, presidente da empresa norte-americana dona do Supertanker. Ele assistiu ao vídeo viralizado, enviado a ele pelo Comprova, e afirmou que a gravação de fato parecia mostrar um de seus aviões do modelos 747.

No entanto, negou que o empresário boliviano tivesse sido responsável por intermediar qualquer negociação. Sem os metadados e com o discurso desmentido pelo dono do avião, o Comprova voltou à busca do vídeo original.

Nem todos entendiam o porquê da necessidade dos metadados

O registro do vídeo mais antigo que foi localizado é do dia 5 de setembro, dia anterior à postagem do empresário, e foi publicado pela página “boliviaalalucha” no Instagram.

A postagem foi enviada por jornalistas locais, depois de o Comprova acionar uma rede de jornalistas sul-americanos, pedindo sugestões ou dicas para dar seguimento à verificação.

Ao entrar em contato com o administrador da página mencionada, ele indicou a pessoa que seria responsável pelo vídeo. Entretanto, mais uma vez, não era o autor.

Depois de contatar a página, o Comprova conversou com outras duas pessoas, que informavam que a localidade da filmagem era a cidade de Concepción, na Bolívia. Ao insistir em entrar em contato diretamente com a pessoa que teria filmado o vídeo, elas pareciam tomar o questionamento como falta de confiança na palavra delas.

Por fim, uma dessas pessoas forneceu o contato de María René Céspedes Bazán, que afirmou ser a autora do vídeo e contou que estava ajudando a apagar os incêndios em uma propriedade da região, com seu marido e outros voluntários, quando o avião sobrevoou o local. É ela quem grita ao fim do vídeo.

No entanto, ela desconhecia plataformas que suportassem o envio dos arquivos, mesmo as mais conhecidas, como o Drive do Google. Tentamos explicar a ela como isso poderia ser feito, mas não funcionou.

A forma encontrada para obter os dados do vídeo foi a seguinte: ela utilizou o próprio celular para filmar a gravação original no celular de seu marido, com o qual afirmou ter filmado a cena do avião, e mostrou os metadados do vídeo.

Cruzamento de dados: a última confirmação

Finalmente o Comprova tinha fortes indícios de que a autora do vídeo tinha sido encontrada. Ainda assim, apesar de pouco provável neste caso, os metadados do vídeo poderiam ter sido adulterados.

Por isso cruzamos os dados do vídeo de Bazán (data, horário, percurso e localização) com os dados sobre os voos da empresa Global Supertanker na região naquela data.

O Comprova localizou no FlightAware (site de rastreio de voos) que, no dia 5 de setembro, o Boeing 747 da empresa Global SuperTanker decolou do Aeroporto Internacional Viru Viru, em Santa Cruz de la Sierra, Bolívia, às 10h40 e retornou ao mesmo aeroporto às 11h37. A foto de Bazán consta como tendo sido tirada às 11h09.

Além disso, ao comparar o trajeto do voo no site e a distância entre o aeroporto e a localidade de Concepción, as informações de Bazán também se mostravam compatíveis. A distância apontada no percurso é de cerca de 190 km, e a distância real percorrida pelo avião, contando ida e volta, foi de 394 km.

Colaboraram com esta verificação os jornalistas Cecilio Moreno, da revista Vistazo, do Equador, e Fabiola Chambi, de Los Tiempos de Cochabamba, na Bolívia.

Conclusão

Concluímos que o boato era falso. Israel não enviou aeronaves ao Brasil para combater incêndios na Amazônia, e o vídeo que viralizou foi feito em Concepción, na Bolívia, no dia 5 de setembro. Esta checagem reforça a importância de confirmar a procedência e autoria de vídeos antes de compartilhá-los.

Esta verificação foi feita por Renata Galf (Folha de S.Paulo) e Mariana Vick (Nexo) e publicada pelo Comprova em 17 de setembro de 2019 com o título “É falso que aviões israelenses tenham sido enviados para apagar incêndio na Amazônia brasileira”. O texto foi ratificado por O Estado de S. Paulo, Poder360, Jornal do Commercio, Jornal Correio, GaúchaZH e SBT.

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Investigação e verificação

Folha e NEXO participaram desta investigação e a sua verificação, pelo processo de crosscheck, foi realizada pelos veículos Estadão, Poder 360, Sistema Jornal do Commércio, Correio, GaúchaZH e SBT.

Projeto Comprova

Esta reportagem foi elaborada por jornalistas do Projeto Comprova, grupo formado por 24 veículos de imprensa brasileiros, para combater a desinformação. Em 2018, o Comprova monitorou e desmentiu boatos e rumores relacionados à eleição presidencial. A edição deste ano está dedicado a combater a desinformação sobre políticas públicas. O SBT faz parte dessa aliança.

Desconfiou da informação recebida? Envie sua denúncia, dúvida ou boato pelo WhatsApp 11 97795 0022.

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