É falso que máscaras reduzam imunidade e potencializem a proliferação de bactérias
Ao contrário do que diz um vídeo no YouTube e verificado pelo Comprova, tanto máscaras cirúrgicas quanto artesanais, de pano, dispõem de filtros que permitem a passagem do oxigênio e filtram partículas que possam estar infectadas pelo novo coronavíru
16/05/2020
São falsas as informações divulgadas em um vídeo no YouTube segundo o qual as máscaras de proteção de pano e de uso profissional recomendadas por autoridades sanitárias prejudicam a imunidade dos usuários. As máscaras são classificadas pelos órgãos de saúde como importantes instrumentos para diminuir as taxas de transmissão do novo coronavírus.
O vídeo de oito minutos foi gravado e divulgado por Daniél Rocha em seu canal no YouTube no dia 6 de maio e teve mais de 33 mil visualizações. Nas imagens, Rocha faz diversas afirmações contra o uso de máscaras, como a de que o aparato diminui a imunidade, aumenta a inspiração de dióxido de carbono e potencializa a proliferação de bactérias. Nenhuma das alegações é verdadeira.
Por que checamos isto?
O Comprova fez essa verificação pois o conteúdo do vídeo é potencialmente danoso à saúde pública, tendo em vista que diversas autoridades sanitárias têm recomendado o uso das máscaras para reduzir a possibilidade de contaminação pelo novo coronavírus.
Em circulação desde o fim de 2019, o novo coronavírus já matou mais de 290 mil pessoas no mundo, segundo a Universidade Johns Hopkins, dos Estados Unidos.
Como verificamos?
O Comprova selecionou afirmações do vídeo sobre o uso das máscaras para o combate ao novo coronavírus e questionou três médicos infectologistas sobre o assunto. A reportagem ainda tentou falar com Daniél Rocha, mas não obteve retorno. Também consultamos a Organização Mundial de Saúde (OMS), citada no vídeo.
O que dizem os especialistas
O Comprova questionou três infectologistas sobre as afirmações do vídeo e a eficácia do uso de máscaras contra o novo coronavírus: Jean Gorinchteyn e Guilherme Spaziani, do Instituto de Infectologia Hospital Emílio Ribas, de São Paulo; e Antonio Carlos Bandeira, integrante da diretoria da Sociedade Brasileira de Infectologia.
Primeiro, a filmagem afirma que `se você usa máscara, você vai respirar menos oxigênio ainda, você vai respirar mais dióxido de carbono`. Segundo os três especialistas, isso é falso.
Gorinchteyn explica que as máscaras têm pequenos filtros, que impedem a passagem de gotículas e partículas maiores, mas permitem a troca do ar. Segundo o infectologista, o grau de proteção depende do material utilizado na produção do equipamento de proteção. Mas, tanto as máscaras cirúrgicas quanto as artesanais, feitas de pano, não impedem a respiração. `Os poros não evitam a passagem do ar, são filtros, filtram partículas. Os gases têm tamanho muito menor e conseguem passar`, ressaltou o médico.
Antonio Carlos Bandeira destaca que os tecidos habitualmente usados nas máscaras artesanais não impedem a respiração. Ele recomenda que a confecção seja com algodão: `Tem que ter cuidado de não usar um tecido com gramatura tão alta que impeça o indivíduo de respirar. Se for de algodão, ou com a gramatura adequada, são mais fáceis de ventilar porque as aberturas são maiores. Só teria uma situação assim (de dificuldade de respirar) se for um tecido super fechado. Mas não é o que a gente vê que está sendo usado`.
O vídeo também diz que `pessoas que usam máscara terão mais bactérias na boca, mais bactérias na gengiva, mais bactérias atacando seus dentes, no trato respiratório e, consequentemente, nos pulmões`.
Guilherme Spaziani explicou que o ser humano já tem bactérias próprias da mucosa e de outros lugares do corpo, mas que o uso da máscara de proteção não aumenta o número desses organismos. `Não é porque tem o anteparo na frente do rosto que vamos ter mais bactérias. Essas bactérias precisam estar lá no nosso organismo e ficam na mesma quantidade`, disse.
Gorinchteyn lembra que, apesar de as máscaras não aumentarem a quantidade de bactérias na boca, é preciso trocá-las em um intervalo regular: de 2 h para máscaras cirúrgicas e de 1h30 para equipamentos de pano. `Elas ficam úmidas, pelo ato de falar, transpirar e acabam perdendo o papel de proteção`, completou.
Por fim, os três especialistas destacam que o uso de máscara não diminui a imunidade. `A imunidade é composta por proteínas que são anticorpos e não vai ser prejudicada por usar um objeto na frente do rosto, seja de pano ou hospitalar`, comentou Spaziani.
Jean Gorinchteyn ressaltou que a máscara protege de infecções. `A máscara vai evitar que você esteja exposto aos agentes infecciosos`.
Os três médicos reforçam a importância do uso de máscaras para as pessoas que precisam sair de casa, mas ressaltam que são necessárias outras medidas para evitar o contágio pelo novo coronavírus. `A máscara não é um passaporte para andar na rua, até porque tem outros tipos de contágio, como pelo toque. É preciso lavar sempre as mãos`, completou o doutor Spaziani.
A Sociedade Brasileira de Infectologia criou programas de conscientização sobre a importância do uso de máscaras por quem precisa sair de casa. O `Máscara para Todos` é um deles.
`A gente tem procurado estimular o uso de máscaras pela população para que as pessoas saiam de máscara e voltem de máscara, usando continuamente e respeitando o tempo de uso. A ideia é que isso, somado ao distanciamento social e outras medidas, ajude a reduzir as taxas de transmissão do coronavírus`, finalizou Antonio Carlos Bandeira.
Quem é Daniél Rocha?
Daniél Rocha é o dono do canal do YouTube `Daniél Rocha ? Alkaline Man`, com 120 mil seguidores.
Não há indicação no canal ou em seu site oficial sobre a formação profissional de Rocha. No site, Daniél vende livros e seminários sobre emagrecimento com saúde. Ele se descreve como `difusor da Alimentação Alcalina no Brasil`. No texto de apresentação, o youtuber diz ser `referência em Emagrecimento, sem intervenções cirúrgicas, pesquisador empírico, renomado como Mestre do Emagrecimento e Desintoxicação no Brasil`.
No YouTube, Daniél Rocha publica conteúdos sobre alimentação e, mais recentemente, sobre o novo coronavírus. Um deles, publicado há três meses, com o título `A farsa do coronavírus`, tem 159 mil visualizações.
O Comprova entrou em contato com Daniél por e-mail, questionando quais eram as fontes das afirmações do vídeo, mas não obteve resposta.
George Soros não comanda a OMS
No vídeo, Rocha afirma, ainda, que o megainvestidor George Soros, fundador da organização filantrópica Open Society Foundation, `comanda a OMS (Organização Mundial da Saúde) e tem interesse na redução populacional`.
Ao Comprova, a OMS informou que Soros não tem qualquer relação com a entidade, seja como empregado ou como embaixador. A reportagem não encontrou indícios de que o bilionário húngaro-estadunidense tenha relação com a instituição.
A OMS é parte do complexo de agências das Nações Unidas e foi criada pela Conferência Internacional de Saúde, realizada em 22 de julho de 1946, após o fim da Segunda Guerra Mundial, com a chancela de 61 países. A entidade começou a funcionar em 7 de abril de 1948. O diretor-geral da OMS, atualmente, é o etíope Tedros Adhanom.
Soros anunciou que doará US$ 130 milhões para o combate à pandemia, principalmente em regiões mais afetadas nos Estados Unidos, como o Estado de Nova Iorque.
Segundo reportagem da BBC Brasil de 2018, Soros é criticado pela direita por financiar ONGs de defesa de direitos humanos. O bilionário é personagem frequente de boatos falsos online, como o que ele é avô da ativista Greta Thunberg, que investiu na `destruição` do presidente Jair Bolsonaro e que empregava o presidente do partido Novo, João Amoêdo.
As orientações da OMS para o uso de máscaras estão neste link.
Contexto
Vários Estados e municípios tornaram obrigatório o uso de máscaras de proteção em ambientes públicos a partir de abril, seguindo recomendação do Ministério da Saúde. O aparato passou a ser considerado importante para prevenção, mesmo entre pessoas sem sintomas da covid-19. Em São Paulo, por exemplo, Estado com o maior número de casos do novo coronavírus, o item é obrigatório para quem sai na rua desde o dia 7 de maio.
A recomendação mudou após especialistas identificarem grande transmissão da doença entre pessoas assintomáticas. A máscara funciona, segundo especialistas, como uma barreira física. `O uso da máscara de pano de algodão de duas camadas é recomendado a todo momento na rua. Ela não vai te proteger, ela vai proteger o outro`, explicou o médico Guilherme Spaziani.
Alcance
O vídeo publicado no canal do Youtube de Daniél Rocha teve 33 mil visualizações com mais de 800 comentários sobre o tema.
Investigação e verificação
Estadão e UOL participaram desta investigação e a sua verificação, pelo processo de crosscheck, foi realizada pelos veículos SBT, GaúchaZH, Correio e Poder 360.Projeto Comprova
Esta reportagem foi elaborada por jornalistas do Projeto Comprova, grupo formado por 24 veículos de imprensa brasileiros, para combater a desinformação. Em 2018, o Comprova monitorou e desmentiu boatos e rumores relacionados à eleição presidencial. A edição de 2019 foi dedicada a combater a desinformação sobre políticas públicas. Neste ano, os veículos se dedicam a monitorar redes sociais e aplicativos de mensagens em busca de informações duvidosas sobre o novo coronavírus. O SBT faz parte dessa aliança.
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