Post distorce informações sobre eficácia da ivermectina
ENGANOSO: Médico defende uso do medicamento em pacientes com a covid-19 mas diz que é irresponsável post em grupo de Facebook que afirma que ele descobriu a cura para a doença
17/06/2020
Conteúdo verificado: Publicação feita em 6 de junho por uma usuária no grupo de Facebook Aliança pelo Brasil independente
É enganosa a afirmação que a combinação de ivermectina e azitromicina é a cura para a covid-19, conforme post do dia 6 de junho que viralizou no Facebook. A autora da postagem em um grupo chamado Aliança pelo Brasil independente escreve `Temos outro remédio contra covid-19! Ivermectina + azitromicina e tchau coronavírus! Definitivamente, Deus é brasileiro!` ao comentar um texto do site Terra Brasil Notícias. A publicação não menciona a azitromicina, mas, afirma, no título: `Medicamento ivermectina elimina 97% do covid-19 dentro da célula em 48h, diz infectologista`.
O médico a que se refere a publicação é Fernando Suassuna, `um dos entusiastas do uso do medicamento` que, no texto, sugere o uso da droga como medida profilática. Em entrevista ao Comprova, Suassuna confirmou que realiza um estudo com o medicamento, mas disse que a pesquisa ainda está em fase preliminar. Declarou ainda que sua fala foi deturpada por alguns blogueiros.
Procuradas pelo Comprova, as autoridades da área da saúde não reconhecem o uso do medicamento para prevenção ou tratamento da covid-19. Por e-mail, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) afirmou que a ivermectina `não está registrada contra essa doença, portanto não é reconhecida pela agência como eficaz contra ela`. Também por e-mail, o Conselho Federal de Medicina (CFM) esclareceu que `não existem evidências robustas de alta qualidade que possibilitem a indicação de uma terapia farmacológica específica para a covid-19`. Em pesquisa no site do Food and Drug Administration (FDA), autoridade sanitária americana, o Comprova encontrou a recomendação de que pessoas não devem tomar ivermectina para prevenir ou tratar a covid-19.
Até a publicação desta verificação, o Comprova não conseguiu entrevistar Dedez Amaral, autora do post. Sua publicação foi na página Aliança pelo Brasil Independente, que se define como um `grupo oficial de apoio ao novo partido do Presidente Jair Messias Bolsonaro`.
Por que investigamos?
Posts e vídeos com link para reportagens com conteúdo que distorcem a realidade viralizam rapidamente nas redes sociais e trazem risco à população. Este post, leva a uma matéria que afirma que a `ivermectina elimina 97% do covid-19 dentro da célula em 48h`, desinforma ao fazer com que os leitores acreditem que a doença causada pelo novo coronavírus possa ser curada por uma droga cuja eficácia não está cientificamente comprovada.
No dia 9 de junho, a publicação, feita três dias antes, já tinha mais de 9.330 compartilhamentos e 576 comentários. Alguns internautas escreveram que já haviam comprado o remédio na farmácia e, outros, estavam perguntando onde achar. São pessoas que podem acreditar na cura, se automedicar e achar que não precisam mais se proteger do vírus.
Enganoso, para o Comprova, é todo conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.
Como verificamos?
A verificação foi realizada em várias etapas. Primeiro, o Comprova tentou apurar quem é a autora do post, se ela de fato trabalha para o Ministério da Saúde e se é possível identificar em seu perfil no Facebook alguma interação com páginas e conteúdos duvidosos sobre a pandemia.
Na sequência, o Comprova investigou se a associação dos medicamentos ivermectina e azitromicina é realmente eficaz para o tratamento de pacientes com a covid-19. Buscamos estudos científicos e opiniões de especialistas que pudessem revelar os possíveis benefícios desses medicamentos. Foram consultados, também, o Conselho Federal de Medicina e autoridades sanitárias do Brasil e dos Estados Unidos.
Em um terceiro momento, a investigação do Comprova se debruçou sobre a figura do médico Fernando Suassuna, apontado pela reportagem como entusiasta e defensor do uso da ivermectina para o tratamento da covid-19. Investigamos se ele realmente disse ter tido resultados promissores com o uso do medicamento em um lar de idosos localizado em Natal e se esse protocolo estaria de acordo com as orientações dos órgãos de saúde da cidade e do Rio Grande do Norte.
Por fim, a verificação se ateve ao portal que publicou a notícia veiculada no post do Facebook, a fim de verificar sua veracidade. Analisamos se o portal já havia publicado outros conteúdos sobre a pandemia e qual o tom das reportagens. Investigamos, também, as redes sociais e o canal de YouTube do portal.
Verificação
Quem é a autora do post
Segundo o perfil da autora do post no Facebook, ela é funcionária do Ministério da Saúde no Rio de Janeiro. O Comprova enviou mensagem privada pedindo o contato, mas não teve resposta. Dedez Amaral respondeu a um comentário em um post recente, mas, depois, não retornou. Também encontramos um perfil no Instagram, mas está fechado e sem atividade.
Mesmo sem saber se o nome é verdadeiro (ou se `Dedez` é um apelido), entramos em contato por e-mail com o Ministério da Saúde, que respondeu não ter autorização para `informar sobre servidores` (print abaixo).
No perfil da autora do post no Facebook, é possível descobrir que ela apoiou Jair Bolsonaro durante a eleição presidencial. Em um outro post, em março do ano passado, se solidarizou quando o ex-presidente Lula perdeu o neto.
A ivermectina
De acordo com a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), a ivermectina está registrada como `medicamento contra infecções causadas por parasitas`. A Food and Drug Administration (FDA), órgão de vigilância sanitária dos Estados Unidos, libera o uso da ivermectina para o tratamento de vermes intestinais e de parasitas tópicos, como piolho e rosácea. Também é usada para o tratamento de parasitas em animais.
A primeira publicação sobre o uso da droga no tratamento de pacientes com covid-19 ocorreu na Austrália. A Universidade de Monash publicou um artigo no dia 3 de abril mostrando que a droga poderia eliminar o Sars-CoV-2, em uma cultura de células in vitro, dentro de 48 horas. O próprio estudo já ressalva, porém, que esse resultado não prova a eficácia da medicação contra a infecção em humanos pelo novo coronavírus e que era preciso aguardar novos testes.
Em e-mail enviado ao Comprova no dia 4 de junho, o Departamento de Medicina, Enfermagem e Ciências da Saúde da instituição explicou que o estudo apenas mostrou que a ivermectina tem efeito em eliminar o vírus em laboratório. E foi taxativo: `a ivermectina não pode ser usada em pacientes com covid-19 até que outros testes tenham sido conclusivos em estabelecer a eficácia do medicamento em níveis seguros para dosagem em humanos`.
Até o início de junho, havia um único estudo clínico sobre o uso da ivermectina para tratar pacientes com o novo coronavírus. O artigo tinha como autor principal o médico Amit Patel, então vinculado ao Departamento de Bioengenharia da Universidade de Utah. O estudo administrou em 704 pacientes com covid-19 (outros 704 foram selecionados como grupo de controle) em 169 hospitais na América do Norte, Europa e Ásia. Mas a pesquisa foi retirada do ar porque os dados foram coletados pela empresa Surgisphere; a mesma cuja metodologia de coleta dos dados levou a retratação de um estudo sobre a segurança da hidroxicloroquina publicado pela The Lancet. Em sua conta no Twitter, o médico Amit Patel disse não ter mais vinculação com a Universidade de Utah e não saber o que aconteceu com a Surgisphere.
Quem é Fernando Suassuna
Segundo os sites do Conselho Federal de Medicina e do Conselho Regional de Medicina do Rio Grande do Norte, Fernando Suassuna é médico inscrito desde 1978 com especialidade nas áreas de infectologia e de alergia e imunologia. De acordo com a plataforma de currículos acadêmicos Lattes, mantida pelo CNPq, Suassuna é formado em Medicina pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) e mestre pela Universidade Federal de Pernambuco. Em 1983, fez um intercâmbio de três meses na Université Laval, em Quebec, no Canadá. Foi professor da UFRN, da Universidade Potiguar (UnP) e de cursos pré-vestibulares. Também trabalhou como infectologista no Hospital Giselda Trigueiro, no Rio Grande do Norte, e em clínicas privadas.
Suassuna defendeu o uso da ivermectina para tratar pacientes com covid-19 em entrevistas aos sites Tribuna do Norte, no dia 06 de junho, e Agora RN, no dia 08.
Na pesquisa do Google, o Comprova encontrou o site do infectologista Fernando Suassuna, que mora em Natal. No Facebook, o Comprova localizou o perfil o médico. As duas páginas apontavam para o mesmo número de contato da clínica.
Por telefone, o médico Fernando Suassuna confirmou ao Comprova que tem conduzido um estudo sobre o uso da ivermectina para tratar pacientes com covid-19, mas afirmou estar em fase observacional e que nenhum artigo foi publicado até o momento. Ele disse desconhecer o site Terra Brasil Notícias. Mas contou que, após ter dado entrevista à Tribuna do Norte, viu que alguns blogueiros haviam `deturpado` a fala dele, como se a cura da doença tivesse sido descoberta; o que o médico classificou de `irresponsável`.
Segundo Suassuna, ele ministrou a ivermectina em 116 idosos de três asilos de Natal: o Lar Jesus Misericordioso, o Instituto Juvino Barreto e o Lar do Ancião Evangélico, conhecido como LAE. Nos três locais, o medicamento teria sido prescrito após a confirmação de um primeiro caso de paciente com o novo coronavírus. Segundo o médico, não houve óbitos. Um idoso foi internado e 24 desenvolveram a doença na forma leve. `A gente tem mais 17 asilos para continuar o trabalho. Quando aparece um caso, a gente toma conta. A gente faz o tratamento, acompanha. E espera que esse seja o modelo para grupos de risco. Para evitar que eles vão para o hospital e levem ao colapso do sistema`, afirmou.
Fernando Suassuna disse que o estudo tem sido acompanhado por seis infectologistas do comitê municipal para enfrentamento da pandemia. Mas negou que seus estudos comprovem a cura da covid-19 porque ainda estão em fase inicial.
Além disso, o médico disse ter conhecimento de que o estudo clínico americano está sendo contestado. Mas afirmou que os resultados positivos em Natal estão sendo verificados in loco.
O uso da ivermectina em Natal
O Comprova procurou, então, a Prefeitura de Natal e o Governo do Rio Grande do Norte para saber se a ivermectina está sendo adotada no estado para o tratamento de pacientes com covid-19. Por email, a Secretaria Municipal de Saúde enviou uma cópia do protocolo de manejo para síndromes gripais frente à pandemia do novo coronavírus, que foi publicado no Diário Oficial do Município no dia 03 de junho.
O protocolo da Prefeitura de Natal prevê o uso da ivermectina em dois contextos. O primeiro é o tratamento de pacientes que, em função de questões alérgicas ou de possíveis efeitos colaterais, não possam fazer uso da cloroquina ou da hidroxicloroquina como tratamento para a covid-19.
O segundo é como medida profilática destinada a profissionais com elevado nível de exposição ao Sars-CoV-2 (como profissionais de saúde, policiais, bombeiros) ou indivíduos com fatores de risco para desenvolver a forma grave da covid-19 (portadores de síndrome metabólica, obesos, diabéticos, HAS isolada ou idosos).
Se a ivermectina for usada para profilaxia, o protocolo recomenda o acompanhamento médico da função hepática. A medicação não pode ser adotada por nutrizes e gestantes. O documento também desestimula o uso profilático em pacientes jovens saudáveis `para que se alcance a imunidade de rebanho [coletiva] progressivamente`.
Também por e-mail, a Secretaria Estadual de Saúde enviou uma nota ao Comprova. O Estado `não prevê o uso de Ivermectina no tratamento da covid-19 por não existir recomendação científica e não ter uma eficácia comprovada em vivo`. Além disso, o governo estadual `não recomenda nem sugere a utilização no tratamento até que esta droga se mostre comprovada cientificamente eficaz`.
A Secretaria Estadual de Saúde afirma ainda que a adoção da ivermectina pelo município de Natal foi feita `sem evidência científica nem recomendação do Ministério da Saúde`. O governo do Estado diz que pode rever sua posição se algum dos estudos em andamento comprovar a eficácia da ivermectina no combate ao novo coronavírus.
Em uma das entrevistas, Fernando Suassuna afirma que o Conselho Regional de Medicina vinha debatendo o uso da ivermectina. No dia 20 de maio, o Conselho lançou as recomendações para o uso de medicamentos para tratamento do novo coronavírus. Todos os medicamentos citados no documento exigem o consentimento do paciente para serem ministrados. O texto cita a ivermectina como uma das substâncias estudadas para combater a covid-19. Mas a droga só é opção para pacientes que estejam em tratamento hospitalar. O Comprova ligou para a entidade para entender mais sobre as orientações e a recepcionista pediu que a demanda fosse encaminhada por e-mail. Não houve resposta até o fechamento da verificação.
O que dizem as autoridades?
No dia 05 de junho, o Comprova consultou autoridades sanitárias sobre o uso da ivermectina em pacientes com covid-19 como parte de outra verificação sobre a droga. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) afirma que a ivermectina `não está registrada contra essa doença, portanto não é reconhecida pela agência como eficaz contra ela`.
No dia 10 de abril, a Food and Drug Administration (FDA), autoridade sanitária dos Estados Unidos, divulgou uma carta aberta em que alerta as pessoas a não usar remédios à base de ivermectina destinados a animais como tratamento contra a covid-19 (print abaixo). Segundo a FDA, as pessoas não devem tomar ivermectina para prevenir ou tratar a doença. Também não há nenhuma autorização da FDA para o uso emergencial da droga nos Estados Unidos em função da pandemia.
O site do National Center for Biotechnology Information, vinculado à US National Library of Medicine, afirma que a nota da FDA foi publicada porque o estudo da Austrália vinha sendo `difundido com grande interesse em sites voltados amédicos e veterinários`. O texto é assinado por Mike Bray, editor da Antiviral Research.
O Conselho Federal de Medicina (CFM) não comenta casos específicos, mas, por e-mail, afirmou ao Comprova que `não existem evidências robustas de alta qualidade que possibilitem a indicação de uma terapia farmacológica específica para a covid-19` e que `muitos medicamentos têm sido promissores em testes através de observação clínica, mas nenhum ainda foi aprovado em ensaios clínicos com desenho cientificamente adequado, não podendo, portanto, serem recomendados com segurança`. Acrescenta ainda que os médicos `devem observar o Código de Ética Médica`, segundo o qual devem evitar o sensacionalismo, entendido como `utilização da mídia, pelo médico, para divulgar métodos e meios que não tenham reconhecimento científico`.
Contexto
Mesmo sem eficácia comprovada, a ivermectina vem sendo defendida por médicos em conteúdos que costumam viralizar nas redes sociais. Muitos desses materiais contêm informações distorcidas, dando a impressão de que existe uma cura para a covid-19, contrariando o que dizem autoridades de saúde, como a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). O órgão afirmou ao Comprova que a ivermectina `não está registrada contra essa doença, portanto não é reconhecida pela agência como eficaz contra ela`. O Conselho Federal de Medicina (CFM) disse que não comenta casos específicos, mas afirmou ao Comprova que `não existem evidências robustas de alta qualidade que possibilitem a indicação de uma terapia farmacológica específica para a Covid-19`.
Grande parte dos brasileiros já completou mais de três meses em casa e não vê a hora de sair. Ao ler que há uma cura, essas pessoas podem relaxar o isolamento, apontado como a única medida capaz de frear o avanço da doença até o momento ? estimuladas pelo presidente, que descumpre as regras de distanciamento social e pelos governos estaduais, que começam a reabrir o comércio em algumas cidades.
No momento em que cientistas do mundo inteiro correm contra o tempo para descobrir a cura da covid-19 e controlar o novo coronavírus, alguns sites tentam se destacar usando informações enganosas sobre curas milagrosas, que atrapalham o processo.
Isso tudo no momento em que o Brasil registrou 802.828 casos confirmados e 40.919 óbitos por covid-19 até a tarde de 11 de junho, de acordo com informações do Ministério da Saúde. Até a data, 311.064 pessoas haviam se recuperado e 390.033 estavam em acompanhamento.
Alcance
A postagem original foi compartilhada por mais de 9.600 pessoas no Facebook. Havia 586 comentários e 2.700 reações (apenas uma negativa).
Por meio da busca de imagem reversa do Google, foi possível encontrar o link replicado em outros sites, como Agora RN, Blog do BG e Blog Max Bezerra. E, de acordo com a ferramenta CrowdTangle, no total, o texto teve 55.960 interações na internet.
Investigação e verificação
Folha, Sistema Jornal do Commercio e Nexo participaram desta investigação e a sua verificação, pelo processo de crosscheck, foi realizada pelos veículos SBT, UOL, Piauí e BandNews FM.
Projeto Comprova
Esta reportagem foi elaborada por jornalistas do Projeto Comprova, grupo formado por 28 veículos de imprensa brasileiros, para combater a desinformação. Em 2018, o Comprova monitorou e desmentiu boatos e rumores relacionados à eleição presidencial. A edição de 2019 foi dedicada a combater a desinformação sobre políticas públicas. Agora, na terceira fase, o Comprova vai retomar o monitoramento e a verificação de conteúdos suspeitos sobre políticas públicas do governo federal e eleições municipais, além de continuar investigando boatos sobre a pandemia de covid-19. O SBT faz parte dessa aliança.
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