Vídeo engana ao afirmar que vírus da covid-19 existe desde 2003
ENGANOSO: Vídeo mostra reportagem da revista "Saúde É Vital" de 2003, que trata do vírus que causou o surto da Síndrome Respiratória Aguda Severa (Sars, na sigla em inglês) há 17 anos ? e não do Sars-Cov-2, ou novo coronavírus, que causa a covid-19
23/06/2020
Conteúdo verificado: Um vídeo publicado no YouTube com o título `Ainda não dá para respirar aliviado`.
É enganoso o vídeo que circula nas redes sociais com a afirmação de que o vírus que provoca a covid-19 existe desde o início dos anos 2000. O autor da gravação, que viralizou a partir de uma repostagem no YouTube do dia 22 de março, mostra a capa e as páginas de uma reportagem da revista `Saúde É Vital` de 2003. Diferentemente do que a pessoa diz, a matéria, com o título `Ainda não dá para respirar aliviado`, trata do vírus que causou o surto da Síndrome Respiratória Aguda Severa (Sars, na sigla em inglês) há 17 anos ? e não do Sars-Cov-2, ou novo coronavírus, que causa a covid-19.
Em março, logo depois que o vídeo viralizou pela primeira vez, o portal `Veja Saúde`, lançado em maio a partir da união das revistas `Saúde É Vital` (que não circula mais) e `Veja`, da editora Abril, publicou um comunicado em que esclarece o erro. A mensagem ainda afirma que o vídeo `pode levar a conclusões erradas`.
O Comprova conversou, por telefone, com Luiz Claudio Rocha de Carvalho, divulgador musical conhecido como Lula Zeppeliano. Foi a partir da repostagem que ele fez do vídeo que o conteúdo viralizou pela segunda vez. À época, Carvalho foi avisado sobre o material enganoso e achou que tivesse retirado o vídeo do ar. Logo após a entrevista com o Comprova, ele retirou o post de sua página no YouTube.
Como verificamos?
O Comprova utilizou a ferramenta CrowdTangle, que avalia desempenho de postagens em redes sociais, para ver quantas vezes o vídeo do canal havia sido replicado no Facebook. O mesmo procedimento foi aplicado ao TweetDeck, que permite buscas mais amplas dentro do Twitter.
Além disso, também pesquisamos nas plataformas se o vídeo havia sido publicado de forma independente, ou seja, em outras páginas sem o link para o canal de Lula Zeppeliano ? assim, conseguimos levantar que todas as postagens foram feitas após a divulgação no Youtube.
Uma rápida busca no Google levou o Comprova a encontrar uma publicação da editora Abril esclarecendo sobre a viralização da reportagem `Ainda não dá para respirar aliviado`, da revista `Saúde É Vital`, publicada em 2003 sobre o surto da Sars, doença causada por um vírus da família dos coronavírus.
Assistindo a vídeos do canal de Zeppeliano, reparamos que a voz dele não era compatível com a narração do vídeo que apresenta a reportagem de 17 anos atrás. Assim, percebemos que ele poderia não ser o autor original do conteúdo. Entramos em contato por meio de redes sociais e fizemos uma entrevista por telefone, em 19 de junho, questionando onde obteve o vídeo.
O Comprova fez esta verificação baseado em informações científicas e dados oficiais sobre o novo coronavírus e a covid-19 disponíveis no dia 19 de junho de 2020.
Verificação
O autor da postagem no Youtube apresentava o vídeo apenas no canal, sem divulgação em outras redes sociais como Twitter, Facebook e Instagram ? as duas primeiras registraram viralização mais expressiva do conteúdo. Apesar do tom de denúncia das postagens, diversos comentários alertavam para o fato de o nome coronavírus se referir a uma família de agentes virais e não ao específico que causa a covid-19.
Outras mensagens adotaram tom conspiratório. Em uma das postagens que replicou o vídeo, o autor de uma página do Facebook escreveu: `Novo vírus Chines é bem Velho é de 2003 e mídia esconde. Reportagem da Revista Saúde de 2003 prova que a Mídia está manipulando e enganaNdo o mundo. A OMS Organização Mundial de Saúde` [sic].
Nessa publicação, o vídeo original é apresentado com a seguinte legenda: `A mega fraude. ONU, OMS e mídia mentem sobre o ?novo vírus chinês?. Corona é de 2003`. Nos comentários, um internauta alerta para o fato de a informação ter sido desmentida pela própria revista `Saúde É Vital`.
Revista diz que vídeo leva a conclusões erradas
No site oficial da revista `Saúde É Vital`, da editora Abril, não é possível encontrar edições anteriores a 2015. Contudo, o vídeo postado no Youtube permite leitura parcial do conteúdo. No primeiro parágrafo é possível entender que o coronavírus descrito na matéria intitulada `Ainda não dá para respirar aliviado` é o que provoca a Síndrome Respiratória Aguda Severa, a Sars (sigla em inglês).
Na reportagem, a doença é tratada como `pneumonia asiática`. O texto debate a possibilidade da chegada da Sars no Brasil, o que poderia, segundo especialistas ouvidos, provocar surtos nas regiões metropolitanas do Rio de Janeiro e de São Paulo.
A segunda página da matéria tem um box sobre uma imagem do mapa-mundi e dicas de especialistas para `escapar da doença`. Como é comum no caso de infecções virais, a principal recomendação era manter hábitos de higiene. Também era aconselhado usar máscaras e evitar locais de grande aglomeração.
A editora Abril publicou um texto em março deste ano no qual esclarece que o vídeo em que um homem filma a reportagem de uma edição de 2003, e insinua se tratar da covid-19, `pode levar a conclusões erradas`.
O texto, segundo a revista, discute as ameaças de um tipo específico do coronavírus diferente do que provoca a pandemia em 2020. O veículo reforça que o agente infeccioso debatido no texto é o que causou o surto de Sars, ou Síndrome Respiratória Aguda Severa, há 17 anos. Ou seja, diferente do mais novo tipo de coronavírus, o Sars-Cov-2, que causa a covid-19.
Ao contrário do surto da Sars de 2003, a covid-19, descoberta em dezembro passado, se espalhou por todo o mundo. A publicação ressalta que a família dos coronavírus é conhecida desde meados de 1960, e que os vírus são diferentes entre si.
O post que mais viralizou
Foi a partir da postagem de Luiz Claudio Rocha de Carvalho, conhecido como Lula Zeppeliano, que o vídeo viralizou ? só a publicação dele teve mais de 10,5 mil visualizações e foi ela que repercutiu no Twitter e no Facebook.
O Comprova conseguiu o telefone do divulgador cultural ao trocar mensagens diretas com ele por Facebook e Instagram. Na entrevista, contou que havia sido avisado sobre o conteúdo do vídeo ser falso e achou que o tivesse retirado do ar.
Inicialmente, Carvalho afirmou que não se lembrava de quem tinha passado o vídeo para ele e disse não saber quem é o autor. Depois, afirmou que acredita ter recebido o conteúdo de algum apoiador do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) com quem mantinha contato no Facebook. `Não estou lembrando agora, acho que foi até uma pessoa que eu bloqueei`, disse ele, que se define como contrário a governo. `Minha preocupação é sempre desmentir, mas eu dei mole [com o vídeo em questão]. Eu reposto [conteúdos] e tenho cautela, mas, às vezes, né?`.
Após as conversas, Carvalho apagou o vídeo de sua página.
Por que investigamos?
O Comprova investiga conteúdos suspeitos que apresentam grande alcance nas redes sociais. É o caso deste vídeo. Até 19 de junho, data de publicação dessa verificação, o vídeo do canal teve 10,5 mil visualizações no Youtube ? na mesma data, a postagem foi retirada do ar. Segundo o CrowdTangle, o link para o conteúdo original possui 271 interações e 320 compartilhamentos no Facebook, entre posts públicos e privados.
O vídeo também viralizou ao ser publicado diretamente em outras redes ? ou seja, sem acesso direto ao Youtube. As postagens no Twitter somaram 3.486 visualizações, 163 compartilhamentos e 248 curtidas. No Facebook, os posts tiveram 3.021 visualizações e 150 interações, entre publicações feitas por perfis, páginas e grupos.
Enganoso para o Comprova é quando um conteúdo é retirado de seu contexto original e utilizado de forma a modificar seu significado, induzindo a uma interpretação equivocada.
O vídeo é perigoso porque infere que o coronavírus citado na revista de 2003 é o mesmo que ocasiona a pandemia atual, sendo compartilhado em outras postagens que acusam órgãos de saúde de mentirem sobre a doença. A própria revista Saúde se manifestou a respeito do caso, que também foi investigado pelo Boatos.org.
Desde a confirmação dos primeiros diagnósticos de covid-19 na China, em dezembro passado, circulam narrativas de que o vírus é fruto de adulteração em laboratório ou mesmo de não causar uma nova doença, minimizando seus riscos.
O Comprova já investigou boato de que o vencedor do Nobel de Medicina teria dito que o novo coronavírus foi desenvolvido em laboratório ? afirmação desmentida pelo próprio médico. Também já mostramos que uma reportagem da TV italiana RAI sobre vírus criado em laboratório chinês não tinha correlação com a pandemia de covid-19.
Outro vídeo checado pelo Comprova acusava a Organização Mundial de Saúde de manipulação, mostrando imagens de aglomerações em Genebra, na Suíça, onde fica a sede do órgão; a pandemia, lá, está sob controle após oito semanas de medidas restritivas de isolamento.
Investigação e verificação
UOL, A Gazeta, Folha e Diário do Nordeste participaram desta investigação e a sua verificação, pelo processo de crosscheck, foi realizada pelos veículos SBT, Sistema Jornal do Commercio e Estadão.
Projeto Comprova
Esta reportagem foi elaborada por jornalistas do Projeto Comprova, grupo formado por 28 veículos de imprensa brasileiros, para combater a desinformação. Em 2018, o Comprova monitorou e desmentiu boatos e rumores relacionados à eleição presidencial. A edição de 2019 foi dedicada a combater a desinformação sobre políticas públicas. Agora, na terceira fase, o Comprova vai retomar o monitoramento e a verificação de conteúdos suspeitos sobre políticas públicas do governo federal e eleições municipais, além de continuar investigando boatos sobre a pandemia de covid-19. O SBT faz parte dessa aliança.
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