Publicidade
Comprova

É possível, sim, auditar e realizar recontagem dos votos, ao contrário do que afirma vídeo

Conteúdo verificado: Vídeo publicado no YouTube no qual um homem diz que o sistema eleitoral no Brasil é fraudulento, que não há como fazer recontagem ou auditoria e que a Smartmatic está envolvida no processo eleitoral

Reprodução/Projeto Comprova
Publicidade
xx
ENGANOSO: Ao contrário do que afirma youtuber, existem várias formas de auditar o processo eleitoral brasileiro, antes, durante e após o pleito e a recontagem de votos é prevista no Código Eleitoral
---

Um vídeo publicado no YouTube engana ao dizer que não há como fazer recontagem e auditoria nas eleições brasileiras para tentar sustentar argumento de que a votação em São Paulo foi fraudada. Existem várias formas de auditar o processo eleitoral brasileiro, antes, durante e após o pleito, estabelecidas na Resolução 23.603/19. A recontagem de votos é prevista no Código Eleitoral, porém, sob circunstâncias específicas. Em seu portal, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) esclarece e disponibiliza informações sobre as auditorias e o funcionamento das urnas eletrônicas.

Saiba mais:

>> Conheça o Projeto Comprova e os seus princípios
>> Recebeu conteúdo suspeito? Envie para o nosso WhatsApp
>> Leia as últimas notícias no portal SBT News
>> Curta o SBT News no Instagram
>> Curta o SBT News no Facebook

A publicação também engana ao falar sobre a centralização da totalização e divulgação dos votos. Em entrevista coletiva, o presidente do TSE, ministro Luís Roberto Barroso, e o secretário de Tecnologia da Informação do Tribunal, Giuseppe Janino, explicaram que a concentração dos dados se tratou de uma ação estratégica de segurança. "A centralização, no TSE, da totalização dos votos foi adotada a partir de uma recomendação da Polícia Federal para reduzir a quantidade de superfícies de ataque", disse o ministro Barroso.

O autor do vídeo também afirma, sem apresentar provas, que "todo o sistema é fraudado". De acordo com o TSE, nenhum caso de fraude foi identificado e comprovado no sistema eleitoral eletrônico desde que ele foi adotado, em 1996.

Também é enganoso afirmar que a Smartmatic está envolvida no processo eleitoral brasileiro. O Comprova já verificou isso e constatou que a Smartmatic, que forneceu urnas para a Venezuela, nunca vendeu aparelhos para o Brasil.

Como verificamos?

Para essa verificação, o Comprova entrou em contato com o Tribunal Superior Eleitoral, que respondeu por e-mail enviado pela assessoria de comunicação com alguns links do site do órgão sobre como funcionam as auditorias e recontagem de votos. Também buscamos informações com o secretário de tecnologia da informação e comunicação no Tribunal Regional Eleitoral de Pernambuco (TRE-PE), George Maciel, e o advogado especialista em direito eleitoral Hugo Souza.

Também procuramos reportagens sobre a contagem e divulgação dos votos no primeiro turno, que explicam a lentidão e as falhas no sistema do TSE. Fez parte ainda da verificação a busca de checagens anteriores do Comprova sobre a empresa Smartmatic.

Contatamos ainda a plataforma YouTube a fim de entender por que o canal envolvido nesta verificação foi desmonetizado, informação que o próprio criador menciona ao longo do vídeo verificado.

Tentamos contato com o youtuber, mas até o fechamento desta verificação não obtivemos retorno.

Verificação

Auditoria e recontagem de votos podem ser realizadas

Há várias formas de fazer auditoria no processo eleitoral brasileiro, previstas na Resolução 23.603/19 e realizadas antes, durante e após o pleito. De acordo com o TSE, é possível auditar sob oito aspectos: verificação do resumo digital (hash); reimpressão do boletim de urna; comparação entre o boletim impresso e o recebido pelo sistema de totalização; verificação de assinatura digital; comparação dos relatórios e das atas das seções eleitorais com os arquivos digitais da urna; auditoria do código-fonte lacrado e armazenado no cofre do TSE; recontagem dos votos por meio do Registro Digital do Voto (RDV); e comparação da recontagem do RDV com o boletim de urna (formato PDF).

Os dois principais sistemas são a auditoria de funcionamento das urnas eletrônicas em condições normais de uso (conhecidas antes como "votação paralela") e a auditoria de verificação da autenticidade e da integridade dos sistemas instalados nas urnas eletrônicas. "Todas as cerimônias de preparação de urna são públicas. A gente divulga um edital e tem dia, local e hora para acontecer, para que os interessados possam participar. Convocamos partidos, Ministério Público e outras entidades interessadas. Toda cerimônia tem a presença do juiz e do MP, às vezes a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e a Polícia Federal também comparecem. Acontece em todo o Brasil", explica o secretário de tecnologia da informação e comunicação no Tribunal Regional Eleitoral de Pernambuco, George Maciel.

No dia anterior às eleições, tanto para primeiro quanto para segundo turno, uma comissão realiza um sorteio das seções eleitorais que serão submetidas às auditorias, que pode ser acompanhado por qualquer cidadão.

No caso da auditoria de funcionamento das urnas eletrônicas em condições normais de uso, as urnas sorteadas são submetidas a uma votação simulada ? respeitando as mesmas condições de uma seção eleitoral oficial. São usadas cédulas de papel, preenchidas por representantes de partidos e entidades públicas. Cada voto é registrado na urna eletrônica e em um computador à parte, com outro sistema. Ao final da votação (no mesmo horário do pleito oficial), são comparados os dois resultados. O processo é filmado e acompanhado por uma empresa de auditoria externa contratada pelo TSE.

Já na auditoria de verificação da autenticidade e integridade dos sistemas, são analisadas se as assinaturas digitais dos sistemas instalados nas urnas eletrônicas são iguais aos sistemas lacrados em cerimônia pública realizada anteriormente pelo TSE. Essa auditoria é realizada no dia da votação, antes do início oficial, em seções eleitorais sorteadas na véspera, também em audiência pública.

Cada urna emite um relatório de resumos digitais dos arquivos instalados nela, que podem ser conferidos a qualquer momento pelos fiscais dos partidos, representantes da Ordem dos Advogados do Brasil e do Ministério Público.

"Além disso, no ano anterior à eleição, a gente chama a comunidade científica para tentar hackear a urna. A gente coloca ela à prova, para corrigir eventuais falhas a tempo, mas até hoje ninguém conseguiu vulnerabilizá-la", acrescenta George Maciel, do TRE-PE. A Justiça Eleitoral divulga detalhes sobre esse teste em um site.

Além das auditorias, é possível pedir recontagem dos votos. Desde 2004, a urna eletrônica tem um dispositivo, o Registro Digital do Voto (RDV), que guarda as informações dos votos dos eleitores de forma aleatória. Por meio dele, é gerado um boletim de urna, um relatório com a apuração dos votos da seção, que fica à disposição para consulta dos representantes dos partidos. Com o RDV, é possível fazer a recontagem, a apuração e totalização dos votos.

A recontagem é prevista no Código Eleitoral, porém sob circunstâncias específicas. Pode ser solicitada por partidos, coligações ou candidatos por meio de requerimentos aos tribunais regionais ou superior ou por uma Ação de Investigação Judicial Eleitoral (Aije). "A Aije é uma ação judicialmente legal, prevista na legislação eleitoral, em que o partido, a coligação ou o candidato podem entrar com o pedido de revisão, desde que comprovem o tipo de abuso que está ensejando a ação", explica o advogado especializado em direito eleitoral Hugo Souza. O TSE divulga os pedidos de recontagem já realizados no país.

Centralização dos votos

Nessas eleições, pela primeira vez, a contagem dos votos de todas as regiões brasileiras foi centralizada no TSE, o Tribunal Superior Eleitoral.

Em eleições anteriores, o Tribunal Regional Eleitoral de cada estado e do Distrito Federal era responsável pelo processo de envio dos votos da região para serem somados nacionalmente pelo TSE e, posteriormente, realizar a divulgação dos votos. Neste ano, o próprio TSE fez toda a soma antes da divulgação dos votos.

A centralização no TSE gerou atraso de mais de duas horas na totalização dos votos. De acordo com esclarecimentos do TSE, essa centralização foi uma recomendação da Polícia Federal, visando, de maneira estratégica, reduzir a possibilidade de ataques ao sistema eleitoral.

Em entrevista coletiva, o ministro Luís Roberto Barroso explicou que "um supercomputador foi fornecido pela empresa Oracle para computar, de forma centralizada, os dados provenientes das urnas eletrônicas de todo o país".

Na mesma coletiva, o secretário de Tecnologia da Informação, Giuseppe Janino, assegurou que "os peritos da Polícia Federal trataram a totalização da distribuição, no âmbito dos 27 Tribunais Regionais Eleitorais, como uma tática chamada de redução de superfície de ataque".

Janino disse também que "quando se têm 27 pontos, em tese, você teria o mesmo número de chances de pontos para atacar. Mas quando você concentra em um ponto e, nesse ponto, se concentram vários requisitos de segurança, como uma sala cofre de segurança, além de vários softwares, gestão e um serviço de vigilância 24 horas por sete dias na semana, se tem uma possibilidade menor de ataques".

Sobre a lentidão e falhas no sistema utilizado pelo TSE, o presidente do Tribunal disse, também em coletiva, publicada em texto no site do órgão, que "em razões de limitações nos testes prévios, no dia da eleição a inteligência artificial do equipamento demorou a realizar o aprendizado para processar os dados num volume e velocidade com que chegavam, daí sua lentidão e travamento que exigiu que a totalização fosse interrompida e reiniciada".

No Brasil nunca foi comprovada fraude no sistema eleitoral

O Comprova não encontrou nenhum indício de que existam provas de fraude no sistema eleitoral brasileiro. Segundo o TSE, desde implantado, em 1996, o sistema nunca foi fraudado.

Em vídeo publicado no Youtube, no canal da Justiça Eleitoral, em 31 de agosto deste ano, o presidente do Tribunal Superior Eleitoral, o ministro Luís Roberto Barroso, enfatiza que o sistema eletrônico de votação é seguro e que no Brasil nunca foram constatadas fraudes que interfiram no resultado das eleições. "A votação por meio da urna eletrônica, que já vigora no Brasil há mais de duas décadas, já passou por diversas auditorias nos últimos anos e jamais foi constatada qualquer fraude".

O ministro pontua ainda que "tudo que é humano está sujeito ao aperfeiçoamento, mas nunca se documentou nenhum tipo de fraude relevante que pudesse comprometer o resultado das eleições".

Em outro vídeo, também disponível no canal da Justiça Eleitoral, o TSE traz de uma maneira didática, em menos de um minuto, informações sobre a segurança da urna, destacando que "a urna eletrônica tem mais de 30 barreiras de segurança", "todos os programas utilizados na urna ficam disponíveis e são lacrados em uma cerimônia específica", e que "não é possível mudar os dados que estão nela [urna] após a lacração".

Autor do vídeo e desmonetização do canal

Renato Barros é um youtuber declaradamente apoiador da direita. Ele é criador de alguns canais disponíveis na plataforma YouTube.

Em julho de 2019, Renato e outros youtubers de direita se encontraram com o presidente Jair Bolsonaro (sem partido), como mostra esta matéria de "O Globo".

O canal verificado pelo Comprova está desmonetizado há pouco mais de três meses. De acordo com explicações dadas pelo youtuber no próprio canal, a plataforma Youtube classificou o conteúdo como nocivo.

Sobre a questão, o YouTube afirmou que "para que um canal gere receita, ele primeiro precisa ser aceito no Programa de Parcerias do YouTube (YPP, na sigla em inglês)" e atender alguns critérios. A empresa afirmou que "todos os canais no Programa de Parcerias da plataforma são revisados por um ser humano para garantir que atendem os critérios de aprovação. Além disso, passam por revisão periódica, podendo ser removidos do programa". A remoção pode acontecer, entre outras questões, por tentar gerar receita com vídeos que não são próprios ou não atendem às diretrizes de conteúdo adequado para publicidade.

Sobre conteúdos nocivos, a empresa afirmou que opera com diretrizes da comunidade, ou seja, políticas que descrevem qual conteúdo não é aceitável na plataforma. "Trabalhamos para remover rapidamente material que viola nossas políticas. Usamos uma combinação de pessoas e aprendizado de máquina para detectar, em escala, conteúdo potencialmente problemático", diz o YouTube, em nota.

Por que investigamos?

Na terceira fase, o Projeto Comprova investiga conteúdos suspeitos relacionados à pandemia da covid-19, a políticas públicas e às eleições. No dia do primeiro turno deste ano, viralizaram postagens a respeito de possíveis fraudes, usando como argumento o atraso que ocorreu na totalização dos votos. As postagens não tinham provas concretas sobre a acusação.

Embora o autor enfatize no vídeo que não tem provas quanto às questões que traz e que se trata da sua opinião, o conteúdo investigado é perigoso pois levanta diversas questões para desacreditar o sistema eleitoral brasileiro e confirmar uma eventual fraude nas eleições de São Paulo. A publicação no YouTube teve mais de 155 mil visualizações. O Comprova já mostrou, neste ano, que o sistema eletrônico de votação pode ser auditado e checou boatos sobre a possibilidade de a apuração dos votos ser secreta, sobre violação da segurança da eleição por hackers e sobre a transformação da justificativa em votos válidos.

Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo que usa dados imprecisos; que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano; ou que é retirado de seu contexto original e usado em outro, de modo que seu significado sofra alterações.

Investigação e verificação

Agência Mural, Niara, Favela em Pauta e Sistema Jornal do Commercio participaram desta investigação e a sua verificação, pelo processo de crosscheck, foi realizada pelos veículos GZH, Piauí, A Gazeta, Correio, Folha e Estadão.

Projeto Comprova

Esta reportagem foi elaborada por jornalistas do Projeto Comprova, grupo formado por 28 veículos de imprensa brasileiros, para combater a desinformação. Em 2018, o Comprova monitorou e desmentiu boatos e rumores relacionados à eleição presidencial. A edição de 2019 foi dedicada a combater a desinformação sobre políticas públicas. Agora, na terceira fase, o Comprova retoma o monitoramento e a verificação de conteúdos suspeitos sobre políticas públicas do governo federal e eleições municipais, além de continuar investigando boatos sobre a pandemia de covid-19. O SBT faz parte dessa aliança.

Desconfiou da informação recebida? Envie sua denúncia, dúvida ou boato pelo WhatsApp 11 97795 0022.

Publicidade
Publicidade

Veja também

Publicidade
Publicidade