ENGANOSO: Vídeo omite ações de governos anteriores para exaltar obras de Bolsonaro na Transamazônica
Confira a verificação realizada pelos jornalistas integrantes do Projeto Comprova
26/09/2021
ENGANOSO: Vídeo engana ao indicar que a Transamazônica passou por melhorias só no governo de Jair Bolsonaro (sem partido). Apesar de o trecho onde o vídeo foi gravado ? entre as cidades de Marabá e Pacajá, no Pará ? realmente ter recebido reparos da atual gestão, há registros de obras executadas também em governos anteriores.
- Conteúdo verificado: Vídeo no TikTok mostra trecho de rodovia e é narrado por um homem que diz: "Olha aí, PTzada, aqui é a Transamazônica, uma via que ficou por mais de 60 anos o pessoal sofrendo com atoleiros e agora tá desse jeito, ó", referindo-se à boa condição da via. Em seguida, acrescenta: "Por que o PT de vocês não fez durante tantos anos?", dando a entender que a pavimentação é recente.
É enganoso um vídeo no TikTok que mostra um trecho da Rodovia Transamazônica (BR-230) no qual, segundo o autor, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) fez melhorias enquanto o governo petista nada fez durante anos.
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De acordo com o DNIT (Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes), foi feita a aplicação de microrrevestimento asfáltico pela gestão federal de Bolsonaro no segmento mostrado no vídeo, mas a pavimentação já existia. O Comprova verificou que governos anteriores, incluindo os petistas, também realizaram obras no trecho.
As imagens foram feitas entre a zona urbana da cidade de Novo Repartimento e o distrito de Maracajá, na zona rural do município, localizado no sudoeste do estado.
Pelo Google Street View, a reportagem conseguiu comparar a situação da via em 2019 com as imagens do vídeo. O trecho já tinha asfalto, porém, a pavimentação estava deteriorada e a ponte era de madeira.
Procurado pelo Comprova, o autor informou ter passado pelo local pela primeira vez e que conhecia o trecho entre Marabá e Pacajá por reportagens, que normalmente falavam sobre o estado crítico da Transamazônica.
Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo que usa dados imprecisos, que confundem, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.
Como verificamos?
O Comprova analisou outros vídeos postados pelo autor antes e depois do conteúdo aqui verificado e identificou que ele havia passado por Marabá, no sudeste do Pará, em direção a Pacajá, na região sudoeste do estado. As duas cidades são ligadas pela Rodovia Transamazônica.
A partir do nome completo do autor do vídeo, que consta na descrição do perfil no TikTok, o Comprova localizou outras redes sociais dele e chegou a um número de telefone funcional. Em seguida, entrou em contato, e o homem confirmou que o trecho onde havia feito a gravação fica entre os municípios de Marabá e Pacajá, distantes 286 quilômetros um do outro.
Ele não soube informar, contudo, em que ponto da rodovia filmou, alegando ser a primeira vez que passava pelo local. Em contato com o escritório do DNIT em Marabá, a reportagem foi informada por um servidor que o trecho aparentava ser entre Novo Repartimento e Pacajá, distantes 106 quilômetros uma da outra.
A partir disso, a equipe começou a fazer buscas via Street View até localizar pontos em comum na captura do Google e no vídeo, confirmando onde ele foi feito.
Em seguida, o Comprova entrou em contato com a assessoria de comunicação do DNIT e do PT.
Verificação
Vídeo mostra trecho da Transamazônica em Novo Repartimento
O vídeo foi gravado próximo à vicinal do Toucinho, em um ponto da Transamazônica entre a zona urbana de Novo Repartimento e o distrito de Maracajá, na zona rural do município, no sudoeste do Pará.
| Ponto onde o vídeo foi gravado. Captura realizada pelo Comprova em 16 de setembro de 2021.
Pelo Google Street View, o Comprova identificou pontos em comum com o vídeo, conseguindo localizar onde ele foi gravado.
As imagens da plataforma foram realizadas em outubro de 2019, quando a ponte por onde o autor do vídeo passa, sobre o igarapé Butique, ainda estava em processo de construção:
| Captura do vídeo verificado feita pelo Comprova em 15 de setembro de 2021
Percebe-se que, àquela época, o trecho já era asfaltado, mas, em comparação com o vídeo, verifica-se que passou por revitalizações, além de ter ocorrido a conclusão da ponte de concreto que em 2019 já estava em construção. Antes, os veículos passavam por uma estrutura de madeira.
Outros pontos de identificação analisados pelo Comprova foram uma casa à esquerda da rodovia, logo após a ponte, e um barranco à direita:
| Captura do vídeo verificado feita pelo Comprova em 15 de setembro de 2021
| Captura do vídeo verificado feita pelo Comprova em 15 de setembro de 2021
| Captura do Street View [imagem de outubro de 2019]
Mais dois pontos em comum são duas manilhas para escoamento da água da chuva:
| Captura do vídeo verificado feita pelo Comprova em 15 de setembro de 2021
| Captura do Street View [imagem de outubro de 2019]
Por fim, ao final do vídeo, também é possível enxergar um morro ao lado esquerdo da rodovia:
| ??Captura do vídeo verificado feita pelo Comprova em 15 de setembro de 2021
| Captura do Street View [imagem de outubro de 2019]
Ao Comprova, o autor afirmou ter gravado o vídeo entre Marabá e Pacajá, mas não soube dizer em que ponto exato. Quanto às críticas que fez à situação da rodovia, justificou afirmando que conhecia, por meio de reportagens, o estado que era a Transamazônica entre as duas cidades. "Há detalhes que não acrescentei no vídeo. As pontes, que ainda eram de madeira, mas estão todas semiprontas, agora de concreto e enormes", acrescentou.
Trecho passou por manutenção no atual governo
O Comprova descobriu que o autor do vídeo fez o seguinte caminho: saiu de Marabá, Itupiranga, Novo Repartimento, passando pelo distrito de Maracajá, e seguiu até Pacajá. Pelo Street View a reportagem identificou que as imagens foram gravadas por ele no ponto entre Novo Repartimento e Maracajá.
Em 2019, data da captura das imagens pela plataforma acessadas pelo Comprova, o trecho já tinha asfalto, porém a pavimentação estava deteriorada e a ponte ainda era de madeira. Próximo a ela, há um acúmulo de terra. O mapa mostra o caminho:
De acordo com o DNIT (Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes), que respondeu o Comprova por e-mail, no segmento mostrado no vídeo foi feita a aplicação de microrrevestimento asfáltico. Dessa forma, não houve execução de obra propriamente dita, mas, sim, um serviço de melhoria. Esse microrrevestimento foi feito pela atual gestão do governo federal.
O caminho entre Marabá e Pacajá, de mais de 280 quilômetros, é composto por trechos que tinham asfalto antes do governo Bolsonaro, como o registrado pelo vídeo aqui verificado, e lugares que não.
Em junho deste ano, por exemplo, o governo federal concluiu a pavimentação do trecho entre as cidades de Itupiranga e Novo Repartimento. As obras no segmento de 102 quilômetros da rodovia estavam paradas desde 2013.
Governos anteriores também fizeram obras
Não são poucos os registros na imprensa sobre a precariedade do trecho entre Marabá e Pacajá até algum tempo atrás, sejam oriundos de manifestações populares por melhorias, sejam notícias de caminhões e ônibus atolados no lamaçal.
Há quatro anos, no governo de Michel Temer (MDB), uma reportagem feita pelo Brasil de Fato sobre a Transamazônica no Pará, mostra a má situação de trechos entre Marabá e Novo Repartimento, informando que ao menos metade dos 180 quilômetros que separam as duas cidades ainda era estrada de terra. Na ocasião, contudo, estavam sendo realizadas obras de pavimentação.
Em 2017, com Temer como presidente, o escritório do DNIT em Marabá informou que alguns trechos de obras entre Marabá e Pacajá estavam paralisados por falta de orçamento, mas outros continuavam sendo realizados.
Na ocasião, o trecho entre Pacajá e Novo Repartimento, onde o vídeo foi gravado, já havia sido concluído, e obras estavam sendo realizadas próximas a Marabá. Além disso, o órgão informava que em relação às pontes ainda havia necessidade de se fazer licitação para a construção.
Além do governo Temer, há registros de obras executadas em governos petistas. Em 2015, com Dilma, o Ministério da Infraestrutura apresentou ao Senado um relatório detalhando a situação das obras rodoviárias no Pará.
Conforme o documento, na ocasião estava concluído o trecho entre Marabá e Itupiranga. Já o seguinte, de Itupiranga a Novo Repartimento, possuía 85 quilômetros ainda sem pavimentação, e de Novo Repartimento a Pacajá faltavam mais 35 quilômetros de asfalto.
Em dezembro de 2010, o governo Lula publicou um balanço do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) nos anos entre 2007 e 2010 no estado do Pará. O relatório destaca que o trecho entre Marabá e Altamira, que inclui o trecho aqui verificado, estava em obras na época.
| Captura de tela realizada pelo Comprova em 16 de setembro de 2021
Procurada pelo Comprova e indagada sobre as obras dos governos petistas na Transamazônica, a assessoria de imprensa do PT pediu para a reportagem entrar em contato com a Fundação Perseu Abramo. Esta, por sua vez, não respondeu o questionamento, apenas enviou links de matérias sobre a BR-163, que não tem a ver com a Transamazônica. Além disso, mandou uma cartilha que aborda de forma ampla obras do governo no período e cita o CREMA (Contratos de Restauração e Manutenção Rodoviária), que teria garantido mais qualidade nas rodovias.
A Transamazônica foi idealizada pelo regime militar e começou a ser aberta na década de 1970. São cerca de 1.800 quilômetros que ligam a cidade de Estreito, na divisa entre o Maranhão e o Tocantins, e Palmares, na divisa entre o Pará e o Amazonas. A rodovia nunca foi totalmente finalizada.
Quem é o autor do vídeo
O vídeo foi postado pelo usuário @jomarsoareslopes2 do TikTok, que se descreve como empresário de Redenção, município do sul paraense. Procurado, ele informou ter gravado o vídeo entre Marabá e Pacajá, sem saber em que cidade exatamente, afirmando nunca ter trafegado pela rodovia antes.
Ele justifica o vídeo declarando que conhecia, via reportagens, o estado em que estava a Transamazônica entre Marabá e Pacajá. De fato, trechos por onde ele passou não haviam sido asfaltados até pouco tempo, mas o que aparece no vídeo já possuía pavimentação asfáltica antes do atual governo.
Por que investigamos?
Em sua quarta fase, o Comprova verifica conteúdos suspeitos sobre pandemia, políticas públicas do governo federal e eleições que tenham viralizado, como o caso do vídeo aqui verificado, que teve mais de 630 mil visualizações no TikTok e gerou entendimentos de que o PT nunca fez obras no trecho, como deixam claro comentários que dizem "PT (assalto) Bolsonaro (asfalto)" e "não dava tempo (para o PT) de fazer asfalto, primeiro tinha que desviar verbas".
Neste caso, a publicação envolve o nome de Jair Bolsonaro, possível candidato à reeleição, e do Partido dos Trabalhadores, que também pode lançar um nome para concorrer ao cargo de presidente nas eleições do próximo ano. Postagens desta natureza podem comprometer a avaliação dos eleitores no momento de decidir por um candidato.
Em 2021, o Comprova já verificou diversos conteúdos relacionados a obras, como as postagens que atribuem a Bolsonaro execução de 2015 feita governo de São Paulo; um vídeo que mostra recapeamento feito pela União, não obra do governo baiano para atrapalhar o presidente; e outro que engana ao atribuir obra no Rio Grande do Norte apenas à gestão do atual governo.
Para o Comprova, é enganoso o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.
Investigação e verificação
Correio e Sistema Jornal do Commercio participaram desta investigação e a sua verificação, pelo processo de crosscheck, foi realizada pelos veículos UOL, Poder 360, Correio do Estado, A Gazeta, Folha, GZH, Correio, BandNews FM, Estadão e SBT.
Projeto Comprova
Esta reportagem foi elaborada por jornalistas do Projeto Comprova, grupo formado por 33 veículos de imprensa brasileiros, para combater a desinformação. Em 2018, o Comprova monitorou e desmentiu boatos e rumores relacionados à eleição presidencial. A edição de 2019 foi dedicada a combater a desinformação sobre políticas públicas. Agora, na quarta fase, o Comprova retoma o monitoramento e a verificação de conteúdos suspeitos sobre políticas públicas do governo federal e eleições municipais, além de continuar investigando boatos sobre a pandemia de covid-19. O SBT faz parte dessa aliança.
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