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Comprova

FALSO: Brasil não foi o único país a registrar deflação em julho

Confira a verificação realizada pelos jornalistas integrantes do Projeto Comprova

Divulgação/Projeto Comprova
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FALSO: Não é verdade que o Brasil seja o único entre 194 países do mundo que tenha registrado deflação (fenômeno que indica queda generalizada no nível de preços de bens e serviços) , como afirma um post no Facebook. No mês de julho deste ano, o Brasil registrou uma deflação de 0,68% no Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) em relação a junho, contudo, o mesmo fenômeno aconteceu em pelo menos quatro outros países (Armênia, Espanha, Grécia e Luxemburgo). Além disso, mesmo com a queda, a inflação acumulada nos últimos 12 meses no Brasil é de 10,07%, o que faz o país ter a 4ª maior taxa de inflação entre as 20 maiores economias do mundo. Desse modo, observa-se que a deflação é algo pontual do mês de julho.

Conteúdo investigado: Um post publicado no Facebook afirma que, de 194 países, o Brasil é o único que registrou deflação, sem especificar a qual período se refere a estatística. A publicação ainda menciona que "nos momentos mais difíceis de crise, são revelados os grandes gestores", associando o feito ao governo de Jair Bolsonaro (PL).

Onde foi publicado: Facebook.

Conclusão do Comprova: É falsa a afirmação de que o Brasil seria o único país entre 194 com deflação. Nos últimos 12 meses, o Brasil passa por um período de alta inflação, tendo ocorrido uma deflação pontual no mês de julho. Além disso, pelo menos quatro outros países registraram deflação em julho: Armênia, Espanha, Grécia e Luxemburgo.

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Na variação mensal de junho para julho, o Brasil registrou uma deflação de 0,68% no IPCA, mas essa queda aconteceu após seguidos aumentos nos níveis de inflação. No acumulado dos últimos 12 meses, por exemplo, a inflação no Brasil é de 10,07%, mesmo com a queda registrada em julho. Nesse recorte, o Brasil apresenta a 4ª maior taxa de inflação entre os países do G20, grupo que reúne as maiores economias do mundo.

A queda do IPCA registrada em julho no Brasil também não significa que houve redução generalizada nos preços de todos os produtos e serviços comercializados no país. De acordo com especialistas, essa queda deve-se, em sua maior parte, à diminuição no preço de itens como os combustíveis e as tarifas de energia elétrica.

Para o Comprova, falso é o conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma falsidade.

Alcance da publicação: A postagem aqui analisada foi feita em um grupo público de apoio ao presidente Jair Bolsonaro no Facebook no dia 11 de agosto. Até o dia 17 de agosto, a postagem contava com 1,6 mil curtidas, 734 compartilhamentos e 273 comentários.

O que diz o autor da publicação: O Comprova entrou em contato com a autora do post por meio de mensagem no Facebook, porém não houve resposta até o fechamento desta verificação.

Como verificamos: O primeiro passo foi fazer uma busca no Google com os termos "Brasil" e "deflação", que nos levou a notícias sobre o tema, como as publicadas pelo G1 e a DW Brasil. Em seguida, para confirmar os dados, o site do IBGE, responsável por divulgar o IPCA, foi consultado.

Para obter dados dos índices de inflação em outros países, foram consultados os sites de organizações como o Banco Mundial, Fundo Monetário Internacional (FMI) e Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Também foram feitas pesquisas no Google em português e em inglês com termos como "taxas de inflação em países do mundo" e "inflation rate by country". Um dos resultados nos levou ao site The Global Economy, que reúne dados econômicos de diversos países do mundo com atualizações diárias. Após consulta aos dados publicados na plataforma, foram feitas pesquisas no Google com termos em outros idiomas para verificar, em fontes oficiais, os índices de inflação de países que apareciam com variação negativa no "The Global Economy".

Por fim, para falar sobre a deflação no Brasil e contextualizar a apresentação desses dados, consultamos o professor Matheus Abrita, da Universidade Estadual do Mato Grosso do Sul (UEMS), e o professor da Fundação Getulio Vargas (FGV) Henrique Castro.

Deflação pontual, em cenário geral de inflação

O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) anunciou em 9 de agosto, um dia antes da publicação do conteúdo verificado, que o IPCA, indicador oficial da inflação no Brasil, registrou uma deflação de 0,68% em julho. Isso significa que o custo de vida médio de famílias com renda mensal de 1 a 40 salários mínimos (recorte definido pelo IBGE para o IPCA) baixou em 0,68% ao longo daquele mês.

Para calcular o IPCA, o IBGE analisa os preços de 377 bens e serviços ? de nove categorias diferentes, de alimentação a comunicação ? em 16 capitais, incluindo Brasília. O índice é definido por uma média ponderada desses preços, com base na categoria. Como noticiado pela Folha em março, a categoria de maior impacto no início deste ano era a de transportes, que inclui gastos com combustíveis.

Esta é a primeira vez que o IPCA registra deflação desde maio de 2020, quando o choque dos primeiros dois meses da pandemia, com o isolamento social, levou à queda na demanda por bens e serviços, em especial pelos considerados "não essenciais". Logo, esses bens e serviços se desvalorizaram e, assim, o custo de vida baixou. Abril e maio daquele ano registraram deflação de 0,31% e 0,38%, respectivamente. O efeito foi temporário, visto que o IPCA voltou a registrar inflação em todos os meses desde então. No caso de julho deste ano, a deflação aconteceu em meio a uma taxa de inflação acumulada de 10,07% nos últimos 12 meses.

Como explicou ao Comprova o doutor em economia e professor da UEMS Mateus Boldrine Abrita, a deflação de julho não foi movida naturalmente pela lei da oferta e demanda, como ocorreu nos primeiros dois meses da pandemia. A queda de 0,68% nos preços no último mês foi ocasionada principalmente pelos cortes no Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), decorrentes da Lei Complementar nº 194/22, sancionada em junho pelo presidente da República, que estabelece tetos para a cobrança do imposto em diversos bens e serviços, em especial combustíveis.

Por isso, segundo o especialista, a ideia de uma deflação no Brasil é uma "meia verdade". "O mundo inteiro está num cenário de inflação e o Brasil também. E se você olhar, a inflação no ano está alta. Se você olhar o mês específico em que baixou o ICMS, ele ficou com deflação por causa dessa medida. Mas, nesse mesmo mês, subiu o preço dos alimentos, subiram vários outros itens", explica.

O professor Henrique Castro, do curso de economia da FGV, ainda acrescenta que, a rigor, seria correto falar em deflação se fosse observada uma queda generalizada de preços em diferentes itens da cesta de consumo do brasileiro, o que não aconteceu. "O índice observado no último mês foi pontual e refletiu o desempenho do preço da gasolina e da energia elétrica, o que não representa um grande alívio no custo de vida do brasileiro, especialmente das famílias mais pobres, que têm nos alimentos a maior parte das suas despesas", avalia.

O grupo de alimentos e bebidas foi o que registrou maior inflação no IPCA em julho: 1,30%. Logo, como apontado pelos especialistas, é incorreto afirmar que o Brasil passa por um momento de deflação, considerando que, no acumulado dos últimos meses, a inflação é de 10,07%, acima da meta estipulada pelo Banco Central para este ano, que é de 3,5%, com tolerância de 1,5 para mais ou para menos.

Segundo estudo conduzido pela Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe), a inflação acumulada dos alimentos em 2022 se aproxima dos 13%, enquanto a média geral é 5,5%. A Fipe, que calcula a inflação por classe social, aponta que, até o momento, a queda no preço dos combustíveis beneficiou principalmente as famílias que têm carro. Em julho, famílias com renda de R$ 9 mil mensais sentiram deflação de 0,11%, enquanto os mais pobres, com renda mensal de um a três salários mínimos, depararam-se, na verdade, com inflação de 0,44%.

Outros países também registraram deflação pontual em julho

A comparação da variação do nível de preços registrada entre todos os países do mundo depende da reunião dos índices de inflação de todos esses países referente a um mesmo período de tempo e agregados de acordo com os mesmos parâmetros. Ainda que o post aqui analisado não tenha especificado a qual período se referia, para fazer a comparação com outros países, o Comprova tomou como base a variação mensal de julho, período em que o Brasil registrou deflação.

Instituições e órgãos multilaterais de economia, como o Banco Mundial, o FMI e a OCDE congregam dados de índices de inflação, mas os números disponíveis nos sites dessas organizações são apresentados na perspectiva anual, e sem atualização recente, o que impede a comparação da variação mensal do nível de preços.

O site The Global Economy, que não é vinculado a qualquer órgão multilateral e diz se basear em fontes oficiais para apresentar "informações confiáveis para pesquisadores, empresários, acadêmicos e investidores", reúne dados econômicos de diversos países do mundo, entre eles, os índices de inflação e suas variações mensais.

Entre todas as estatísticas apresentadas, o Comprova levou em consideração apenas os países cujos dados mais recentes referiam-se ao mês de julho de 2022 e cuja variação percentual apresentada era negativa, ou seja, indicando que houve redução no nível de preços em julho em relação ao mês anterior. A partir disso, o Comprova buscou confirmar os índices de inflação apontados pelo "The Global Economy" junto a órgãos oficiais ou de governo desses países. Além do Brasil, foi possível confirmar que pelo menos quatro outras nações apresentaram deflação em julho: Armênia, Espanha, Grécia e Luxemburgo.

Na Armênia, a variação negativa entre junho e julho foi de 1,4% no índice geral de preços do país, de acordo com documento publicado pelo Comitê Estatístico do país. Na Espanha, a deflação em julho foi de 0,3%, de acordo com dados do Instituto Nacional de Estatística da Espanha e veículos de imprensa espanhóis (como os portais RTVE Ámbito Financiero).

Na Grécia, os preços caíram 1,44% em julho, conforme divulgou a Autoridade Estatística Helênicaorganização independente ligada ao parlamento grego em publicação do último dia 8 de agosto. Por fim, Luxemburgo também registrou deflação em julho, apresentando uma variação negativa de 1% no nível de preços, conforme divulgado pelo portal de estatísticas do governo de Luxemburgo.

Contudo, conforme explica o professor Matheus Abrita, cada país pode ter metodologias diferentes para apurar seus índices de inflação, o que por vezes pode invalidar algumas comparações. "O Brasil adota padrões internacionais na medição do nível de preços pelo IBGE, no entanto, outras nações, que não são democracias, por exemplo, podem não apresentar dados verdadeiros, ou com metodologias diferentes", explica.

Já o professor Henrique Castro, da FGV, aponta que, além de eventuais diferenças nas metodologias adotadas para medir a variação de preços, como a seleção de diferentes cestas de consumo, países apresentam taxas de inflação diferentes de acordo com seus estágios de desenvolvimento e seus índices de crescimento econômico. "Por isso, comparar taxas entre países muito distintos pode ser de pouca utilidade. Idealmente, o correto seria comparar as taxas entre países de um mesmo bloco comercial e de mesmo estágio de desenvolvimento econômico", disse.

Levando em consideração o G20, grupo das maiores economias do mundo, o Brasil tem a quarta maior taxa de inflação no acumulado dos últimos 12 meses. Com uma inflação de 10,07%, o Brasil está atrás apenas dos índices observados na Rússia (15,9%), Argentina (64%) e Turquia (79,6%), de acordo com levantamento da empresa de análise e tecnologia financeira Quantzed, divulgados pelo jornal Folha de São Paulo.

De acordo com o FMI, em relação aos países da América do Sul e levando em consideração apenas o ano de 2022, com dados referentes até o último mês de abril, a inflação no Brasil é de 8,2%, a 5ª maior entre os 12 países do continente com dados disponíveis, atrás do Paraguai (9,4%), Suriname (38,9%), Argentina (51,7%) e Venezuela (500%).

Por que investigamos: O Comprova investiga conteúdos suspeitos que viralizaram nas redes sociais sobre pandemia, políticas públicas do governo federal e eleições presidenciais. A afirmação de que o Brasil seria o único país em deflação após meses de inflação em escala global, associada a uma gestão de sucesso do atual presidente, pareceu suspeita em época de corrida eleitoral.

Outras checagens sobre o tema: Recentemente, o Projeto Comprova realizou outras investigações sobre temas relacionados à agenda econômica. A exemplo, foi mostrado que existem outros países com cenário econômico positivo além do Brasil, diferentemente do que diz pastor. Em outra investigação, vimos que em um tuíte, foram distorcidos fatos sobre redução de preços de gasolina em ano eleitoral.

Investigação e verificação

Piauí, Correio do Estado, Crusoé e o Imirante.com participaram desta investigação e a sua verificação, pelo processo de crosscheck, foi realizada pelos veículos Nexo, Alma Preta, GZH, Folha, Correio Braziliense, Plural, O Popular, Correio, CBN, Grupo Sinos, Estadão, SBT e SBT News.

Projeto Comprova

Esta reportagem foi elaborada por jornalistas do Projeto Comprova, grupo formado por 42 veículos de imprensa brasileiros, para combater a desinformação. Iniciado em 2018, o Comprova monitorou e desmentiu boatos e rumores relacionados à eleição presidencial. Agora, na quinta fase, o Comprova segue verificando conteúdos suspeitos sobre políticas públicas do governo federal e eleições, além de continuar investigando boatos sobre a pandemia de covid-19. O SBT e SBT News fazem parte dessa aliança.

Desconfiou da informação recebida? Envie sua denúncia, dúvida ou boato pelo WhatsApp 11 97045 4984.

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