ENGANOSO: Fala antiga de Zé Dirceu é tirada de contexto para alimentar falsa ligação do PT com facada em Bolsonaro
Confira a verificação realizada pelos jornalistas integrantes do Projeto Comprova
19/08/2023
ENGANOSO: Vídeo de entrevista do ex-ministro da Casa Civil José Dirceu (PT) é tirado de contexto e engana ao sugerir relação do Partido dos Trabalhadores (PT) com a facada recebida pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) em 2018. Na entrevista, Dirceu fala sobre as eleições daquele ano e sua perspectiva de uma vitória petista, mesmo com a possibilidade de ocorrência de fatos imprevisíveis, como erros do PT ou o atentado a Bolsonaro. O corte realizado, legendas utilizadas e os comentários feitos distorcem o sentido do discurso ao sugerir que o erro do PT teria sido o atentado ao ex-presidente, apontando para uma ligação entre o partido e a facada. Esta ligação não foi identificada nos inquéritos policiais relacionados ao caso.
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Conteúdo investigado: Em vídeo publicado nas redes sociais, homem comenta entrevista de José Dirceu (PT) republicada pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). Ele afirma que Dirceu assume "erramos quando demos a facada no Bolsonaro". A legenda da publicação diz: "Zé Dirceu assume facada, Advogados de Adélio em pânico".
Onde foi publicado: Facebook.
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Conclusão do Comprova: Vídeo que circula fora de contexto em rede social usa fala antiga do ex-ministro e ex-presidente do PT, José Dirceu, para incentivar teoria que relaciona o partido a Adélio Bispo, autor da facada contra o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
Na publicação enganosa, são apresentadas afirmações com base na entrevista com o político, de 2021, compartilhada por Bolsonaro em 27 de julho de 2023. O ex-presidente não escreve legenda, mas reproduz texto que atribui a uma fala de Dirceu suposta ligação do PT com a facada de 2018.
O vídeo vem sendo explorado nos últimos anos para incitar uma teoria, sem evidências, de que o PT teria algum envolvimento no atentado. A afirmação não procede, de acordo com os fatos apurados pela Polícia Federal (PF) desde o primeiro inquérito do caso. Um segundo inquérito foi concluído em 2020 e atestou que Adélio Bispo agiu sozinho e sem mandantes.
O ex-ministro já veio a público explicar o contexto de sua declaração, quando o conteúdo foi republicado pelo vereador do Rio de Janeiro Carlos Bolsonaro (Republicanos), filho do ex-presidente. "Minha fala é uma lista de fatos imprevisíveis na política, que poderiam impedir a eleição do Lula ou do Haddad em 2018. Dentre eles, possíveis erros nossos e a facada em Bolsonaro. Coisas diferentes, compondo a mesma listagem de fatos imprevisíveis", disse Dirceu na época.
Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.
Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. Até o dia 11 de agosto, o vídeo contava com 44 mil visualizações no Facebook, 3 mil curtidas e 200 comentários. No Youtube, são 21 mil visualizações e 1,8 mil curtidas.
Como verificamos: O primeiro passo foi identificar em qual situação e momento foi feita a declaração de José Dirceu, além de obter a fala completa. Para isso, pesquisamos no Google pelos termos "entrevista Dirceu eleições" e "entrevista Dirceu facada Bolsonaro" na modalidade vídeo. A partir disso, procuramos elementos semelhantes com o vídeo apresentado, como as roupas de Dirceu e sua posição.
Ao identificar o vídeo, assistimos à entrevista completa para encontrar o contexto e o momento em que a declaração foi proferida. Na sequência, buscamos no Google por repercussões sobre a entrevista na época e encontramos reportagens que publicaram a resposta de Dirceu na rede X, antigo Twitter, ao compartilhamento de Carlos Bolsonaro.
Nas contas oficiais de ambos e também de Jair Bolsonaro, verificamos se as publicações ainda estavam ativas. Por fim, tentamos contato com José Dirceu e com o autor da postagem.
Além disso, identificamos o autor do vídeo, a partir da publicação do material disponível no YouTube. Entramos em contato com ele, que não respondeu até o fechamento desta verificação.
Vídeo é de entrevista feita em 2021
A entrevista do ex-ministro José Dirceu repercutida por Jair Bolsonaro e seus apoiadores foi publicada em 11 de maio de 2021, pelo canal do YouTube Tutaméia TV, que faz parte do site Tutaméia, criado e produzido pelos jornalistas gaúchos Eleonora de Lucena e Rodolfo Lucena. O tema da entrevista foi "Enfrentamentos a Bolsonaro e rumos do Brasil". A resposta de Dirceu que voltou a circular está aos 41 minutos e 35 segundos do vídeo e diz respeito a um questionamento de Eleonora acerca da posição da elite brasileira nas eleições de 2022.
"Muita gente não consegue entender a elite, a burguesia brasileira, tendo essa posição aliada ao Bolsonaro, alimentando o Bolsonaro", inicia ela, para questionar, ao final: "Como que o senhor vê isso: a elite desembarcando do Bolsonaro ou ficando com o Bolsonaro para o que der e vier? Como que ela vai trabalhar daqui pra diante?".
O ex-ministro responde: "Veja bem, são os interesses imediatistas dela. Os medos atávicos dela. Porque, de certa maneira, há uma oposição ao bolsonarismo muito dura de direita, que a Globo sintetiza. Mais do que isso, ela está construindo uma agenda progressista liberal, vamos dizer assim".
Dirceu afirma ainda que a adesão da elite ao bolsonarismo foi para tirar o PT do poder, quando então inicia as frases usadas na repercussão: "Se a Dilma governasse até o final do governo dela e o Lula sendo candidato em 18, nós venceríamos a eleição. Aliás, ele venceria em 18 com tudo que aconteceu ou, em liberdade, elegeria o Haddad. Quer dizer, não há como fazer contra?a história você não pode? mas a possibilidade era grande. Poderia acontecer qualquer fato, como acontece às vezes, que impedisse isso, né, ou erros nossos, ou como foi a facada ao Bolsonaro, como foi a decisão do Fachin, né, essas coisas imprevisíveis da política".
O ex-ministro, então, volta ao ponto central do questionamento ao falar da suposta ligação entre a elite e Bolsonaro. "Identifico mais o egoísmo, ausência total de pudor, de consciência democrática nas elites brasileiras, e ignorância, porque não percebeu os riscos do fundamentalismo religioso, do obscurantismo, do negacionismo que representa isso, que está embrutecendo uma parcela da população, jogando ela contra outra." Ao todo, a resposta de Dirceu dura 10 minutos.
Uso de vídeo é recorrente
A repercussão da entrevista de José Dirceu ao Tutaméia no núcleo familiar de Bolsonaro veio três meses depois, em 18 agosto de 2021, às 9h50, em publicação do vereador no Rio de Janeiro Carlos Bolsonaro (Republicanos), filho de Jair. Carlos posta um vídeo de 40 segundos com parte da resposta de Dirceu ao questionamento sobre a relação da elite brasileira com Bolsonaro. A imagem recortada não mostra os apresentadores e é envolta de tela preta com os dizeres "A facada foi erro nosso", na parte superior, e "José Dirceu (PT)", na inferior.
Carlos não escreveu diretamente qualquer palavra na publicação. A resposta de José Dirceu ocorreu no mesmo dia, às 12h26: "Minha fala é uma lista de fatos imprevisíveis na política, que poderiam impedir a eleição do Lula ou do Haddad em 2018. Dentre eles, possíveis erros nossos e a facada em Bolsonaro. Coisas diferentes, compondo a mesma listagem de fatos imprevisíveis." Ele complementa: "Só não entenderá quem não sabe interpretar frases (ou sabe mas distorce de propósito)".
O ex-ministro acrescentou, em nova publicação:" Bolsonaro está desesperado. Na falta de um fato novo, para se livrar de debates, seu filho mais parecido tenta girar teorias conspiratórias baratas. Mas agradeço a audiência!"
No mesmo dia, a deputada federal Bia Kicis (PL), aliada a Bolsonaro, também publicou o vídeo. A repercussão recente da entrevista de José Dirceu ocorreu depois que Jair Bolsonaro publicou um vídeo no dia 27 de julho deste ano com publicação que teria sido feita por um site.
O Comprova tentou contato com José Dirceu, diretamente com ele e pelo filho, o deputado federal Zeca Dirceu (PT-PR), mas não conseguiu respostas.
Investigação não encontrou ligações com o PT
Desde o atentado sofrido por Bolsonaro em 6 de setembro de 2018, a PF já abriu dois inquéritos para apurar como se deu o crime, especialmente com a tentativa de encontrar o mandante da ação cometida pelo pedreiro Adélio Bispo. O primeiro foi finalizado ainda no fim daquele mês. Para concluir o relatório, foram ouvidas mais de 30 pessoas, e houve quebras de sigilos financeiro, telefônico e telemático do autor. Não foi encontrado nenhum indício de que Adélio tenha agido a mando de outra pessoa ou grupo.
Um novo inquérito foi aberto em seguida, diante de diversos questionamentos a respeito da falta de respostas, como quem seria o mandante do crime e quem estaria pagando os advogados de defesa de Adélio. A segunda investigação também concluiu que o autor da facada agiu sem a participação de "agremiações partidárias, facções criminosas, grupos terroristas ou mesmo paramilitares em qualquer das fases do crime (cogitação, preparação e execução)".
Adélio foi absolvido pela Justiça do ataque contra Bolsonaro por ser considerado inimputável, ou seja, incapaz de responder pelos atos que praticou, em junho de 2019. O juiz Bruno Savino, da 3ª Vara Federal em Juiz de Fora (MG), decidiu ainda que ele deveria ficar internado em um manicômio judiciário por tempo indeterminado. Porém, em razão da periculosidade do acusado, Adélio continua preso no presídio federal de Campo Grande (MS).
Em junho de 2020, o inquérito foi arquivado pela Justiça a pedido do Ministério Público Federal. "Esgotadas todas as diligências investigativas ? à exceção da análise do conteúdo do aparelho de celular do principal advogado de defesa de Adélio Bispo de Oliveira, cuja diligência restou sobrestada por força de decisão liminar proferida pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região, acolho a promoção de arquivamento apresentada pelo Ministério Público Federal", decidiu o magistrado, de acordo com a Agência Brasil.
Em abril deste ano, a Folha publicou que a PF investiga uma ligação entre os advogados de defesa de Adélio e o Primeiro Comando da Capital (PCC). Os questionamentos começaram a partir da defesa de Bolsonaro, que tinha a intenção de saber quem pagou a defesa do autor do atentado. Na época, ainda segundo a Folha, os quatro advogados, Fernando Magalhães, Zanone Oliveira Júnior, Marcelo da Costa e Pedro Possa, afirmaram que aceitaram o caso sem qualquer cobrança, em busca de notoriedade.
Entre os indícios que alimentam essa tese de suposto envolvimento dos advogados com o PCC, está e identificação pelo Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) de pagamentos fracionados de R$ 315 mil, em 2020, à empresa de Magalhães; este valor é próximo à quantia mencionada por Zanone em depoimento à PF em 2018 como pagamento ao caso. Não há indicação de quem pagou o montante, motivo pelo qual a suspeita ganhou força.
Outro indício seria um registro no livro de contabilidade de Zanone com pagamento de R$ 25 mil com a rubrica "caso Adélio". Também existia um grupo de troca de mensagens de advogados no WeChat com nome "Adélio PCC", encontradas no celular de Zanone.
A investigação segue em andamento, tendo sido realizada uma operação relacionada ao caso em março deste ano. No entanto, conforme publicação da Folha, a linha de investigação, de uma possível ligação entre os advogados e o PCC, é alvo de questionamentos da Diretoria de Inteligência da corporação, onde o caso está alocado. Uma das inconsistências é que os pagamentos sob suspeita foram realizados dois anos após o atentado.
O que diz o responsável pela publicação: O responsável pelo vídeo que circula na página do Facebook "O Poder é o Povo" não respondeu aos questionamentos enviados pelo Comprova até a conclusão dessa verificação.
O que podemos aprender com esta verificação: O uso de frases fora do contexto e retiradas de um vídeo mais longo, os chamados cortes, é comum entre pessoas que publicam desinformação. Ao se deparar com essa situação, pesquise sobre o vídeo original para avaliar o contexto.
Além disso, há o uso de um tema que muitas vezes serve a teorias conspiratórias, por mais que já tenha sido elucidado pelas autoridades e partes envolvidas. Ou seja, mesmo que três inquéritos policiais sobre o caso envolvendo o atentado a Bolsonaro não apontem ou sequer citem o PT ou Dirceu, a desinformação se aproveita da ideia de que algo estaria sendo escondido e alimenta a conspiração.
Nesses casos, busque fontes oficiais sobre a apuração do caso citado, como os inquéritos policiais e processos judiciais e a imprensa profissional.
Por que investigamos: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas e eleições no âmbito federal e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.
Outras checagens sobre o tema: O assunto já tinha sido investigado pelo Estadão Verifica em 2022, quando outro usuário republicou o vídeo. A Folha trouxe o contexto da fala do petista em matéria quando o ex-presidente Jair Bolsonaro compartilhou o vídeo nas redes sociais este ano. No ano passado, o Projeto Comprova realizou um Comprova Explica sobre o caso.
José Dirceu já teve outras supostas falas investigadas e desmentidas, como que incitaria ?caça dos fascistas de direita? do Brasil, e vídeo que mostraria encontro entre ele e ministros do STF. A Lupa também apurou áudio com a acusação de que funcionários da Petrobras supostamente ligados ao ex-ministro estariam passando informações para governadores sobre os preços dos combustíveis. A informação foi considerada falsa.
Investigação e verificação
O Popular, O Povo e Sistema Jornal do Commercio participaram desta investigação e a sua verificação, pelo processo de crosscheck, foi realizada pelos veículos Poder 360, Estadão, Folha, Grupo Sinos, Plural, SBT e SBT News.
Projeto Comprova
Esta reportagem foi elaborada por jornalistas do Projeto Comprova, grupo formado por 41 veículos de imprensa brasileiros, para combater a desinformação. Iniciado em 2018, o Comprova monitorou e desmentiu boatos e rumores relacionados à eleição presidencial. Na quinta fase, o Comprova verifica conteúdos suspeitos sobre políticas públicas do governo federal e eleições, além de continuar investigando boatos sobre a pandemia de covid-19. O SBT e SBT News fazem parte dessa aliança.
Desconfiou da informação recebida? Envie sua denúncia, dúvida ou boato pelo WhatsApp 11 97045 4984.