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FALSO: Postagem engana ao relacionar apagão a decreto para compra de energia na Venezuela

Confira a verificação realizada pelos jornalistas integrantes do Projeto Comprova

Projeto Comprova/Divulgação
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FALSO: É falsa publicação que associa a queda de energia que atingiu 25 estados e o Distrito Federal em 15 de agosto com assinatura de decreto que permite importação de energia de países vizinhos, como a Venezuela. A compra do recurso ainda é estudada pelas instituições do setor elétrico no Brasil e não há previsão para o início da importação. A única causa identificada até o momento para a falta de energia foi uma falha técnica na linha de transmissão Quixadá-Fortaleza II, da Eletrobras. Já a importação da energia da Venezuela é destinada para atender Roraima, estado que não foi atingido pelo apagão e está fora do Sistema Interligado Nacional (SIN).

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Conteúdo investigadoPublicação em rede social utiliza capturas de imagem de duas manchetes do portal G1 para sugerir uma associação entre a assinatura do decreto que permite a retomada da importação de energia de países vizinhos, entre eles, a Venezuela, com a interrupção de energia registrada em 15 de agosto em quase todos os estados do país. "Interessante", diz a legenda com a intenção de criar relação entre os fatos trazidos nas manchetes "Apagão nacional afeta operação em linhas do Metrô de SP" e "Lula assina decreto que autoriza o Brasil a comprar energia elétrica da Venezuela".

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Onde foi publicado: X (antigo Twitter).

Conclusão do Comprova: Não há qualquer relação entre as causas do apagão que atingiu 25 estados do Brasil em 15 de agosto com o decreto 11.629 assinado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e pelo ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira (PSD), no dia 4 do mesmo mês. O texto define orientações para "o estabelecimento de políticas nacionais de integração do sistema elétrico e de integração eletroenergética com outros países".

Na prática, a legislação permite ao Brasil comprar energia de outros países, após uma série de avaliações como preço e a necessidade diante da reserva energética do país. Esse tipo de importação já acontecia para o abastecimento de eletricidade do estado de Roraima, mas acabou sendo suspenso em 2019, durante a gestão do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). O processo, mesmo com o decreto, "sequer foi retomado", conforme afirmou ao Comprova o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), um dos órgãos responsáveis por avaliar propostas de importação de energia.

Por meio de nota, o ONS explicou ainda que o texto "apenas autoriza a realização de estudos para avaliar a viabilidade e a necessidade dessa importação" e disse não haver prazo para a conclusão das pesquisas. Já o Ministério de Minas e Energia (MME) esclareceu que a associação não é possível "uma vez que a integração de energia elétrica que Venezuela tem com o Brasil é no estado de Roraima, único estado não interligado ao SIN, e esta não vem sendo utilizada desde 2019".

Quanto às causas da interrupção de energia, até o momento, órgãos como ONS, MME e Ministério da Justiça ainda apuram o que teria ocorrido.

Um segundo evento é investigado, segundo o MME.

Falso, para o Comprova, é o conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma falsidade.

Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. Até o dia 21 de agosto, a publicação tinha 49,6 mil visualizações, 4,5 mil curtidas e 1,4 mil compartilhamentos.

Como verificamos: O primeiro passo foi procurar quais eram as matérias citadas pela publicação. Fizemos buscas no Google com os termos "G1 Lula assina decreto energia Venezuela" e "G1 apagão operação metrô". Também procuramos informações sobre as possíveis causas do apagão por meio de pronunciamento do ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, disponível nos canais oficiais do Governo Federal.

Consultamos a entrevista com o ministro-chefe da Casa Civil, Rui Costa, ao programa Bom Dia, Ministro. Buscamos ainda pelo decreto assinado pelo presidente disponível no site do Diário Oficial da União, colocando o filtro para "importação de energia elétrica" e procurando pelo dia 4 de agosto. Por fim, procuramos o Ministério de Minas e Energia, o Operador Nacional do Sistema Elétrico e a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel).

Decreto retoma acordo interrompido em 2019

Em 4 de agosto, Lula assinou decretos relacionados a questões energéticas, em evento de lançamento de ações que visam aumentar o acesso à energia elétrica na região Norte, o programa Luz para Todos. Um dos textos amplia as possibilidades de intercâmbio de energia elétrica com países que fazem fronteira com o Brasil.

A proposta altera as competências do Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico (CMSE), autorizado a avaliar as propostas de importação apresentadas. O colegiado deve deliberar sobre o preço, volume e eventuais diretrizes adicionais, avaliando os benefícios econômicos da importação e a preservação da segurança energética do sistema atendido.

O decreto inclui, ainda, como competência do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE), definir orientações para o estabelecimento de políticas nacionais de integração do sistema elétrico e de integração eletroenergética com outros países.

Não há menção no documento que a compra será feita especificamente da Venezuela ou que o processo será retomado imediatamente. Para que seja efetivada a importação, é preciso aprovação da Aneel do montante a ser pago, após manifestação do ONS e deliberação do CMSE, quanto a preço, volume e eventuais diretrizes adicionais. Além disso, é preciso que sejam cumpridas medidas e ações necessárias para "garantir a operação segura e o suprimento do sistema isolado a ser atendido".

| Trecho do decreto que trata sobre a importação de energia.

O ONS ressaltou por meio de nota que o processo ainda não foi retomado e não há prazo definido para isso. Atualmente, o Brasil já realiza intercâmbios internacionais de energia elétrica com a Argentina e com o Uruguai, bem como com o Paraguai, por meio da Usina Hidrelétrica Binacional Itaipu.

O fornecimento de energia da Venezuela para o Brasil existia até 2019, quando foi suspenso ainda nos primeiros meses do governo Bolsonaro. Na época, o país vizinho passava por uma crise que incluiu o fechamento da fronteira do Brasil. A importação era feita para o abastecimento de Roraima, único estado brasileiro não ligado ao Sistema Interligado Nacional (SIN).

Também assinada no dia 4 de agosto, uma ordem de serviço autorizou o processo de inclusão do Estado no SIN. Serão investidos R$ 2,6 bilhões nas obras, que vão substituir usinas termelétricas e, segundo o texto, garantir energia confiável, limpa e renovável. Atualmente, os moradores de Boa Vista e cidades próximas são abastecidos por usinas termelétricas movidas a óleo diesel, gás natural, biomassa e uma pequena central hidrelétrica.

Causas do apagão ainda são apuradas

No dia 15 de agosto, o ONS verificou uma falha na interligação da transmissão de energia entre as regiões Norte e Sudeste, que teria iniciado às 8h31. O fornecimento foi restabelecido por volta das 14h30 do mesmo dia, conforme apontou o MME. Em entrevista coletiva concedida na data, o ministro Alexandre Silveira explicou que foi "um fato que causou a interrupção na Região Norte e Nordeste e, por uma contingência planejada do ONS, minimizou a carga das regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste, para que não houvesse a interrupção total dessas regiões".

As causas para esta ocorrência ainda não foram definidas pelos técnicos e o governo federal apontou que solicitaria à Polícia Federal e à Agência Brasileira de Inteligência (Abin) que apurassem os fatos, sobretudo para verificar "eventuais dolos". Segundo o ONS, a análise preliminar dos eventos ocorridos constatou que o início do processo se deu porque a linha parou de funcionar através do não acionamento de uma proteção de sobrecarga que estaria programada. O procedimento é considerado normal pela ONS, já que atua para evitar uma sobrecarga. O episódio é tratado como uma falha técnica.

"Essa linha da Chesf abriu (parou de funcionar) através do não acionamento de uma proteção que estaria programada. Esse evento de abertura de linha não é raro, é até corriqueiro, como forma de proteção para evitar sobrecarga. Mas essa abertura foi feita indevidamente, por uma falha dessa proteção. Ou seja, a linha não precisaria abrir, estava operando normalmente, mas acabou abrindo", explicou o diretor-geral do ONS, Luiz Carlos Ciocchi, na quarta-feira, 16, um dia após o apagão.

Até a terceira semana de agosto, as equipes do ONS seguiam "aprofundando a análise da ocorrência, estando prevista para o dia 25 de agosto próximo a realização de reunião com os agentes envolvidos, além do MME e ANEEL", conforme informou o órgão ao Comprova. O ONS continua: "Essa avaliação será consolidada em um Relatório de Análise da Perturbação (RAP), que leva 45 dias para ser concluído".

A única causa confirmada é uma sobrecarga em linhas de transmissão no Ceará, mas ainda não foram descobertos os motivos para que isso tenha ocorrido. O Poder360 publicou que os números do ONS mostram que a carga no subsistema Nordeste estava 11.848 MW às 8h30, e às 8h31 alcançou 17.648 MW. Às 8h30, a carga chegou a 6.542 MW, mostrando uma queda brusca.

No Brasil, os dados do ONS revelam uma carga registrada em 73.484,7 MW às 8h30 no horário de Brasília com trajetória de alta, o que é comum no início das manhãs. Às 8h31, a carga do sistema caiu em torno de 7%.

O que diz o responsável pela publicação: O Comprova tentou contato com o perfil @brom_elisa na rede social X, mas não há possibilidade de mensagem direta. Outros perfis da usuária em redes sociais são privados e também não permitem o contato.

O que podemos aprender com esta verificação: O uso de comparações entre fatos distintos em uma mesma publicação faz com que o leitor procure uma relação entre eles, muitas vezes como conspiração ou desinformação. Ao se deparar com esse tipo de conteúdo, leia as notícias postadas, verifique as datas em que foram publicadas originalmente e busque os contextos, sobretudo na imprensa profissional.

Por que investigamos: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas e eleições no âmbito federal e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.

Outras checagens sobre o tema: O Aos Fatos realizou checagem sobre o mesmo tema, embora de outra postagem, que afirmou que o apagão serviu para justificar a compra da energia da Venezuela. Esta mesma publicação foi checada pelo Estadão.

A relação entre Lula e a Venezuela também é constantemente utilizada em desinformações. Em junho, o Comprova verificou ser falso que o presidente dos EUA, Joe Biden, tivesse convocado o Congresso por falas de apoio do presidente brasileiro ao país vizinho. No mesmo mês, circulou postagem enganosa sobre um ataque de militares venezuelanos a um soldado brasileiro na fronteira entre os países.

Investigação e verificação

O Povo e O Popular participaram desta investigação e a sua verificação, pelo processo de crosscheck, foi realizada pelos veículos Correio Braziliense, Nexo, Folha, Poder 360, Estadão, Sistema Jornal do Commercio, Plural, SBT e SBT News.

Projeto Comprova

Esta reportagem foi elaborada por jornalistas do Projeto Comprova, grupo formado por 41 veículos de imprensa brasileiros, para combater a desinformação. Iniciado em 2018, o Comprova monitorou e desmentiu boatos e rumores relacionados à eleição presidencial. Na quinta fase, o Comprova verifica conteúdos suspeitos sobre políticas públicas do governo federal e eleições, além de continuar investigando boatos sobre a pandemia de covid-19. O SBT e SBT News fazem parte dessa aliança.

Desconfiou da informação recebida? Envie sua denúncia, dúvida ou boato pelo WhatsApp 11 97045 4984.

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