ENGANOSO: Lula se encontrou com liderança religiosa da Nigéria em evento de igualdade racial, não com 'feiticeiro'
Confira a verificação realizada pelos jornalistas integrantes do Projeto Comprova
11/09/2023
ENGANOSO: É enganoso o vídeo que afirma que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) convidou "feiticeiro" para fazer "magia negra" no Palácio do Planalto. As imagens compartilhadas mostram, na verdade, cumprimento entre o presidente e Oba Adeyeye Enitan Ogunwusi, o rei de Ifé, cidade na Nigéria, berço da etnia iorubá. A autoridade participou de evento do Ministério da Igualdade Racial (MIR) e não ocorreu nenhum tipo de cerimônia religiosa. O MIR repudiou o racismo religioso contido no vídeo.
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Conteúdo investigado: Publicação traz vídeo que mostra um homem caminhando no Palácio do Planalto e indo ao encontro do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). A gravação termina exibindo três fotografias feitas na ocasião. Sobre o vídeo, há um texto que diz: "Esse vagabundo trouxe um feiticeiro 1 classe para fazer magia negra no Palácio. Cade os crente que votaram nesse adebito de satanás" (sic). O post é acompanhado da legenda: "Lula quer virar Mito a todo pano" e emojis de risada.
Onde foi publicado: X (antigo Twitter).
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Conclusão do Comprova: Não é verdade que o presidente Lula (PT) tenha convidado um "feiticeiro" e que ele tenha realizado qualquer tipo de cerimônia religiosa no Palácio do Planalto. Publicações mencionam de forma ofensiva a presença do rei da cidade nigeriana de Ifé, Oba Adeyeye Enitan Ogunwusi, em evento do governo federal no dia 21 de março.
Na data, houve o lançamento de um pacote de medidas para promoção da igualdade racial, em alusão aos 20 anos de políticas públicas voltadas para o tema. O evento foi transmitido ao vivo nos veículos de comunicação do governo e durou cerca de 1h40. Em nenhum momento houve a realização de cerimônia religiosa. Foi um evento institucional que seguiu protocolos.
O rei de Ifé, no entanto, não veio ao Brasil a convite nem do Ministério de Igualdade Racial nem do presidente. Sua visita fazia parte de um movimento do monarca iorubá de convidar outros países para visitarem a Nigéria, conforme informou o MIR. Ele cumpriu outras agendas aqui, como a assinatura de carta de intenções para cooperação científica entre a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e uma universidade nigeriana, no Rio de Janeiro, e a entrega de título de reconhecimento a um território quilombola, na Bahia.
As assessorias de imprensa da Presidência e do MIR lamentaram o cunho da publicação e repudiaram o racismo religioso. "Referir-se ao monarca africano como um ?feiticeiro? é expressão latente do racismo religioso que tanto movimenta as indústrias de notícias falsas e disseminação do ódio", escreveu o ministério em nota.
Enganoso, para o Comprova, é todo conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.
Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. Até 25 de agosto, o post somava 28,3 mil visualizações e 665 curtidas. Posteriormente, o vídeo foi excluído da plataforma.
Como verificamos: Para descobrir quem era o homem que aparecia junto de Lula, o Comprova fez uma pesquisa reversa no Google com imagens do vídeo. Assim, identificou uma publicação em que o rei de Ifé é mencionado. O Comprova buscou o nome da autoridade no Google e encontrou reportagens sobre a agenda de Oba Adeyeye Enitan Ogunwusi no Brasil, em março de 2023. Consultou também a agenda eletrônica de Lula para saber qual evento aconteceu no Palácio do Planalto no período mencionado.
O Comprova entrou em contato com o Ministério da Igualdade Racial, a Secretaria de Comunicação da Presidência da República, os gabinetes dos deputados petistas Vicentinho e Erika Kokay, responsáveis pelo requerimento da sessão na Câmara com participação do rei de Ifé, e a The African Pride, empresa do ramo audiovisual que organizou a visita de Oba Adeyeye Enitan Ogunwusi à Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj). Por fim, falou com o responsável pela publicação do conteúdo.
Evento com a presença de Ogunwusi foi organizado pelo Ministério da Igualdade Racial
Em 21 de março de 2023, ocorreu o lançamento do Pacote Pela Igualdade Racial no Palácio do Planalto. Organizado pelo Ministério da Igualdade Racial, o evento contou com a presença de Oba Adeyeye Enitan Ogunwusi, rei, ou Ooni, da cidade de Ifé, no estado de ??un, no sudoeste da Nigéria, considerada o berço da etnia iorubá.
Na cerimônia, houve a execução do hino Nacional, uma performance artística e discursos de autoridades. Lula e a ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco, fizeram pronunciamentos.
| Lula discursa durante a celebração "20 anos das políticas de igualdade racial no Brasil: da SEPPIR [Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial] ao MIR". Na imagem, é possível ver Oba Adeyeye Enitan Ogunwusi sentado, à esquerda da imagem. Foto: Ricardo Stuckert [Flickr].
"Na ocasião não foi realizada nenhuma cerimônia religiosa no Palácio, e, sim, a sanção de importantes decretos pelo Presidente Lula, demarcando a importância e centralidade da pauta da questão racial no novo governo", disse o MIR, em nota.
O rei de Ifé também publicou sobre o encontro com Lula em suas redes sociais. "O presidente Lula, com quem tive uma conversa profunda no início deste mês, está sinceramente empenhado em aprimorar a cooperação patrimonial com a House of Oduduwa [organização dedicada a promover a cultura, a igualdade para as mulheres, o empoderamento e a moda africana, presidida por Oba Adeyeye Enitan Ogunwusi]. Essa é a nossa nobre missão, pois enfatizamos plenamente os laços tradicionais que unem nossos dois países e ressaltamos nossa determinação de fortalecer e reacender cada vez mais o espírito de fraternidade por meio dos mecanismos de cultura, patrimônio e valores econômicos compartilhados", escreveu, em 30 de março.
Oba Adeyeye Enitan Ogunwusi não veio ao Brasil a convite de Lula
O rei de Ifé participou de diversos eventos durante a estadia no Brasil. Antes da cerimônia no Palácio do Planalto, a autoridade assinou uma carta de intenções para cooperação científica entre a Fiocruz e a Universidade de Ojaja, na Nigéria. A assinatura ocorreu em 18 de março, durante o evento "O futuro é ancestral: Back to home", realizado na Alerj.
A visita de Oba Adeyeye Enitan Ogunwusi à Alerj, segundo reportagem da Casa, foi organizada pela The African Pride com o objetivo de "fortalecer as relações políticas, empresariais e culturais entre Brasil e Nigéria".
Fundada em 2021 no Rio de Janeiro, a empresa tem como CEO Carolina Maíra Morais. Em 24 de março, ela postou no Instagram um vídeo do encontro entre Lula e o rei de Ifé, utilizado pelas peças de desinformação. O Comprova entrou em contato com a The African Pride, mas não obteve resposta até a publicação da checagem.
No dia seguinte, em 19 de março, Oba Adeyeye Enitan Ogunwusi chegou à Bahia, onde entregou o primeiro título de reconhecimento a um território quilombola. A cerimônia foi na comunidade Quingoma, em Lauro de Freitas, Região Metropolitana de Salvador. O reconhecimento de território iorubá no Brasil é o primeiro fora da África.
A autoridade também participou, em 21 de março, de sessão solene da Câmara dos Deputados em homenagem ao Dia Nacional das Tradições das Raízes de Matrizes Africanas e Nações do Candomblé. A celebração consta na Lei Federal 14.519/23, sancionada por Lula no dia 6 de janeiro de 2023.
A proposta que originou a lei é de autoria do deputado federal Vicentinho (PT-SP), também autor do requerimento da sessão na Câmara, junto à deputada Erika Kokay (PT-DF). Conforme o gabinete do deputado, o rei foi convidado para o evento, mas já estava no Brasil em visita ao Rio de Janeiro.
Ogunwusi já havia visitado o Brasil em junho de 2018, quando ele e outros 20 líderes de diversas religiões e crenças participaram de evento inter-religioso no Cristo Redentor. Na época, o rei passou três dias no Rio de Janeiro, quando foi homenageado na Alerj e recebeu a medalha Tiradentes, a maior honraria do estado.
O Reino de Ifé
Embora a Nigéria seja um país com regime presidencialista, o conceito de reinado ainda é relevante para a manutenção das tradições africanas. Adeyeye Babatunde Enitan nasceu em outubro de 1972 e é considerado rei de Ifé, uma antiga cidade iorubá no estado de ??un, no sudoeste da Nigéria. A região é considerada o berço da etnia e reverenciada como sagrada.
Ele é o 5º descendente direto da Família Governante Giesi (Ooni Ojaja Orarigba), que começou com o reinado de Ayikiti Ninu Aran, de 1878-1880. Sua formação é no campo da Engenharia, Aquisições e Construção, com atuação localmente e no exterior por mais de 12 anos, conforme explica o seu site oficial. Atualmente, é o fundador e diretor geral do Grupo Gran Imperio, holding de empresas imobiliárias e de construção, manufatura, gestão de instalações, lazer e turismo na Nigéria.
Ooni de Ife, designação para o rei, é tido como descendente direto de Oduduwa, deus a quem é atribuída a criação da cidade. Eles são contados em primeiro lugar entre os reis iorubás. Iorubá é um dos maiores grupos étnico-linguísticos da África Ocidental.
A dinastia real de Ifé remonta à fundação da cidade, há mais de dois mil anos, conforme informação da casa governante. Ooni Adeyeye Enitan ascendeu ao trono em dezembro de 2015.
Após a formação do Congresso Yoruba Orisha em 1986, a figura dos reis adquiriu "um status internacional como os detentores de seu título não viam desde a colonização da cidade pelos britânicos", segundo o site oficial da casa. Nacionalmente, o cargo ficou conhecido como Royal Obas da República Federal da Nigéria, sendo considerado um sumo sacerdote e guardião da cidade sagrada de todos os iorubás.
Segundo reportagem do G1, reis como Oba Adeyeye Enitan Ogunwusi são importantes para a política do país "porque carregam o legado e o respeito da cultura da Nigéria". Na cosmogonia africana, Ifé pertence ao estado de Oxum e foi criada por Odudua, uma das principais divindades iorubás.
O que diz o responsável pela publicação: O Comprova entrou em contato com o perfil @crioulossantafe por mensagem no WhatsApp. O número do telefone foi encontrado por meio da conta do Facebook do usuário. O homem disse que seu post apenas afirma que "Lula queria ser mito" e que "nunca falou em magia negra". O usuário disse que viu o vídeo no Kwai e compartilhou porque achou engraçado. Após o contato do Comprova, ele excluiu a publicação.
O que podemos aprender com esta verificação: É comum que vídeos com legendas que mudam o contexto sejam usados para desinformação. Para isso, usam afirmações exageradas ou enganosas voltadas para causar revolta em grupos específicos e promover rejeição a certos temas. Imagens de líderes religiosos de matriz africana são utilizadas de forma enganosa para reforçar atos de intolerância religiosa.
Sempre desconfie quando o autor da publicação fizer uma acusação sem informar a data da gravação ou o contexto. Faça uma busca no Google por palavras-chave relacionadas ao tema e procure se informar em sites de órgãos oficiais ou em veículos de comunicação de sua confiança.
Por que investigamos: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas e eleições no âmbito federal e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.
Outras checagens sobre o tema: Em checagens anteriores envolvendo Lula, o Comprova mostrou que o presidente levou presentes em contêineres de forma legal e que taxa sobre energia solar foi sancionada no governo de Jair Bolsonaro (PL), não de Lula.
Investigação e verificação
Plural Curitiba e O Povo participaram desta investigação e a sua verificação, pelo processo de crosscheck, foi realizada pelos veículos Estadão, Correio Braziliense, O Popular, Nexo, Folha, SBT e SBT News.
Projeto Comprova
Esta reportagem foi elaborada por jornalistas do Projeto Comprova, grupo formado por 41 veículos de imprensa brasileiros, para combater a desinformação. Iniciado em 2018, o Comprova monitorou e desmentiu boatos e rumores relacionados à eleição presidencial. Na quinta fase, o Comprova verifica conteúdos suspeitos sobre políticas públicas do governo federal e eleições, além de continuar investigando boatos sobre a pandemia de covid-19. O SBT e SBT News fazem parte dessa aliança.
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