FALSO: Governo Lula não criou taxa para uso de poços artesianos; gestão de recursos hídricos é papel dos estados
Confira a verificação realizada pelos jornalistas integrantes do Projeto Comprova
22/11/2023
FALSO: É falso que o governo Lula (PT) tenha determinado tarifa mensal para o uso de poços artesianos em propriedades privadas do Nordeste. De acordo com a legislação federal, é responsabilidade dos governos estaduais determinarem as taxas de gestão dos recursos hídricos. Uma das publicações usa como "prova" da instituição da cobrança um trecho de vídeo fora de contexto em que um cidadão reclama sobre a tarifa feita no Ceará. Porém, as taxas para o uso da água são previstas desde 1996 no estado.
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Conteúdo investigado: Posts nas redes sociais afirmam que o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva está cobrando dos proprietários rurais uma taxa entre R$ 200 e R$ 300 para o uso de poços artesianos em propriedades privadas no Nordeste. Um dos conteúdos cita que os poços teriam sido instalados à época do governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). Outro vídeo mostra o depoimento de um homem que diz ter feito um investimento privado para a construção do poço no Ceará, mas que agora terá que pagar uma taxa para a utilização.
Onde foi publicado: TikTok.
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Conclusão do Comprova: É falso que o governo do presidente Lula (PT) tenha definido uma taxa mensal para que proprietários rurais usem poços artesianos construídos em suas terras. A legislação que institui a Política Nacional de Recursos Hídricos prevê que os estados são responsáveis por determinar as tarifas do uso de água. Não foi encontrada nenhuma decisão recente do Executivo que estabeleça novas cobranças.
Uma das publicações analisadas usa um vídeo fora de contexto feito no Ceará em que um homem afirma pagar pelo uso de poço que ele mesmo construiu em sua propriedade. No entanto, a tarifa para o uso das águas subterrâneas não é recente como sugere o post. A cobrança é prevista por lei estadual que existe desde 1996 e estabelecida por meio de decreto, segundo a Secretaria de Recursos Hídricos do Ceará.
Em nota, o Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional (MIDR) afirmou que a gestão de águas subterrâneas cabe aos estados. A Agência Nacional de Águas (ANA) também informou que a União não faz cobranças sobre o uso dos poços artesianos.
Falso, para o Comprova, é o conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma falsidade.
Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. Até o dia 8 de novembro, foram mais de 935 mil visualizações, 72 mil curtidas e 7,7 mil comentários no Tik Tok.
Como verificamos: Inicialmente, o Comprova buscou informações com o Ministério do Desenvolvimento Regional e a Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico a respeito da suposta cobrança da taxa. A reportagem também solicitou um posicionamento junto ao Governo do Ceará, já que pesquisas no Google pelos termos "taxa poços artesianos + governo Lula" retornaram a uma verificação de Aos Fatos, que trata do mesmo tema e detalha que um dos vídeos teria sido gravado naquele estado.
Também entramos em contato com um deputado que publicou o conteúdo em que um homem questiona a cobrança de taxa pelo uso do poço em sua propriedade.
Vídeo mostra crítica ao governo do Ceará
Um dos vídeos verificados mostra o que seria uma demonstração da cobrança da suposta taxa. Nele, o produtor rural Clodoaldo Galvão dá um depoimento a respeito da situação vivenciada em sua propriedade, durante audiência da Comissão de Agropecuária da Assembleia Legislativa do Estado do Ceará. Ele alega ter feito um investimento de aproximadamente R$ 8 mil para a construção de um poço e que agora terá que pagar até R$ 300 mensais de taxa para o uso. Na gravação, o produtor faz diversas críticas ao governo, sem citar nomes.
O Comprova localizou um perfil no Instagram que seria do agricultor que fala no vídeo, mas ele não retornou ao nosso contato.
O conteúdo original foi publicado pelo deputado estadual Felipe Mota (União Brasil ? CE) em seu perfil no Instagram, após uma visita ao Perímetro Irrigado de Morada Nova, que está localizado nos municípios de Morada Nova e Limoeiro do Norte, no Ceará. Na legenda da publicação, de 30 de outubro, o parlamentar deixa claro que a insatisfação do morador é relativa a gestão estadual, sob o comando do governador Elmano de Freitas (PT): "Embora o governo do Ceará alegue ser o governo do povo, lamentavelmente, constatamos a ausência de medidas efetivas para promover o desenvolvimento dessa região".
Por nota, o parlamentar informou o nome do produtor rural que reclamou sobre a cobrança mensal do poço em sua propriedade e evidenciou que a audiência pública debateu a falta de água nas áreas de agricultura irrigada do estado. Mota não comentou sobre o uso da gravação em postagens fora de contexto.
Responsabilidade dos estados
O Comprova questionou o Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional e a Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico em relação à cobrança de tarifa pelo governo federal. Ambos os órgãos afirmaram que a gestão de águas subterrâneas é de responsabilidade dos estados, portanto, não existe recolhimento de pagamentos pela União.
Leis em vigor sobre o uso de poços artesianos
No Ceará, de acordo com a Secretaria de Recursos Hídricos do estado, a cobrança de taxas pelo uso de poços artesianos está prevista desde 1996, "e está dentro do que determina a Política Estadual de Recursos Hídricos". Em fevereiro de 2021, o governo estadual publicou uma nota de esclarecimento sobre o tema. Na época, a gestão informou que não havia nova cobrança para a utilização de recursos hídricos superficiais e subterrâneos, mas sim a "atualização da inflação do período". Dois anos depois, em 2023, circula novamente a desinformação a respeito da implementação de uma nova taxa.
Em nota ao Comprova, o governo cearense explicou que a cobrança pelo uso dos recursos hídricos está assegurada no artigo 16 da Lei 14.844, publicada no Diário Oficial do Estado do Ceará, em 30 de dezembro de 2010. A secretaria esclareceu ainda que a tarifa será atualizada "após emissão de resolução pelo Conselho dos Recursos Hídricos do Ceará (Conerh) e referendada por Decreto Estadual".
Os valores atuais cobrados foram atualizados conforme o decreto estadual 35.501, publicado em 15 de junho de 2023. "Os recursos decorrentes da cobrança pelo uso de recursos hídricos serão empregados para viabilizar atividades de gestão dos recursos hídricos, para realização de obras de infraestrutura operacional do sistema de oferta hídrica, bem como para incentivo à racionalização do uso da água", afirma o artigo 1º do referido decreto do estado do Ceará.
Existe ainda disponível de forma online um comunicado da Companhia de Gestão dos Recursos Hídricos (COGERH), datado de 15 de junho de 2023, que informa sobre o reajuste da tarifa pelo uso dos recursos hídricos de domínio do estado do Ceará ou da União. No documento, há uma tabela que especifica as novas tarifas e suas devidas definições.
Além da legislação estadual, a Lei da Política Nacional de Recursos Hídricos, de 1997, e a Lei do Saneamento Básico, de 2007, já estabelecem o pagamento de tarifa pelo uso de poços particulares.
O que diz o responsável pela publicação: O Comprova entrou em contato com os responsáveis pelas publicações por meio do TikTok. Um dos usuários, @mc.chefao.ofi, não quis se manifestar. O outro perfil, @jorge.damasceno6, informou que "há uma lei sancionada por Bolsonaro que isenta a taxa dos poços artesianos" e citou o Projeto de Lei 2497/2020. No entanto, a proposta que sugere a dispensa de tarifa para uso do recurso hídrico foi rejeitada em junho de 2022 no Congresso Nacional e, portanto, não foi sancionada como lei. O usuário já foi alvo de outra checagem do Comprova em que espalhou desinformação de que artista teria viajado para Portugal com dinheiro da Lei Rouanet.
O que podemos aprender com esta verificação: Uma das táticas mais utilizadas por desinformadores é usar trechos de gravações sem o contexto para enganar e falsificar informações. Muitas vezes, e esté é o caso aqui, usam manifestações de pessoas comuns para dar autenticidade ao seu discurso. Desconfie de publicações que parecem noticiosas mas que não fornecem informações contextuais como local e data dos acontecimentos retratados. Uma denúncia noticiada sempre deve trazer os dois lados. Na ausência de um deles, faça uma busca na internet para encontrar uma informação mais completa, que traga todo o contexto.
Neste caso, um dos conteúdos inventa que o governo federal estabeleceu taxas para o uso dos poços, baseado em um trecho de depoimento feito na Câmara de município cearense e omitindo a informação. Ao se deparar com situações como essa, é importante buscar se há alguma nova decisão do governo, seja em sites oficiais ou em reportagens da imprensa.
Por que investigamos: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas e eleições no âmbito federal e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.
Outras checagens sobre o tema: Um dos vídeos checados também foi alvo de investigação pelo Aos Fatos. O Comprova já checou outros assuntos envolvendo os recursos hídricos, como que o governo federal não bloqueou água no Nordeste e nem todo problema na região tem relação com transposição do São Francisco, que vídeo de hidrelétrica transbordando é antigo e não tem relação com desligamento de bombas do São Francisco e explicou sobre o Projeto de Integração do Rio São Francisco.
Investigação e verificação
Alma Preta, CBN Cuiabá e Estadão participaram desta investigação e a sua verificação, pelo processo de crosscheck, foi realizada pelos veículos Correio do Estado, A Gazeta, GZH, Folha, SBT e SBT News.
Projeto Comprova
Esta reportagem foi elaborada por jornalistas do Projeto Comprova, grupo formado por 41 veículos de imprensa brasileiros, para combater a desinformação. Iniciado em 2018, o Comprova monitorou e desmentiu boatos e rumores relacionados à eleição presidencial. Na quinta fase, o Comprova verifica conteúdos suspeitos sobre políticas públicas do governo federal e eleições, além de continuar investigando boatos sobre a pandemia de covid-19. O SBT e SBT News fazem parte dessa aliança.
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