ENGANOSO: Agência europeia não desqualificou vacinas contra a covid-19, diferentemente do que afirma médico
Confira a verificação realizada pelos jornalistas integrantes do Projeto Comprova
09/12/2023
ENGANOSO: Não é verdade que a Agência Europeia de Medicamentos (EMA) tenha desqualificado vacinas de RNA mensageiro contra a covid-19. A alegação foi feita por um médico brasileiro que se baseou em uma entrevista coletiva de um deputado europeu antivacina que distorce uma carta da organização. No documento, a agência defende a segurança dos imunizantes e mantém a recomendação ao uso deles.
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Conteúdo investigado: Em vídeo no Instagram, médico cita uma coletiva de imprensa realizada no Parlamento Europeu, em que alguns deputados discorreram sobre uma carta enviada a eles pela Agência Europeia de Medicamentos (EMA). Segundo o autor da publicação, a EMA diz no documento, que não estaria publicado no site da entidade, que não há indicação para vacinação de menores de 60 anos, devido à "baixíssima fatalidade de pessoas jovens e sadias". O médico ainda afirma que a EMA "só autorizou comercialização de vacina de RNAm para proteção individual dependendo do médico", não tendo sido indicada a imunização em massa. Ainda de acordo com o médico, a proteína Spike ? utilizada pelas vacinas de RNAm ? seria tóxica. Um texto acompanha o vídeo: "EMA surpreende parlamentares europeus com conclusões óbvias mas que desqualificam as vac de RNAm".
Onde foi publicado: Instagram.
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Conclusão do Comprova: Não é verdade que a Agência Europeia de Medicamentos (EMA) tenha desqualificado vacinas de RNA mensageiro contra a covid-19, conforme alega um médico em vídeo no Instagram. Ele também menciona informações falsamente atribuídas à EMA sobre os imunizantes ao se basear em uma coletiva de imprensa comandada por um deputado europeu antivacina, Marcel de Graaff, que, na verdade, deturpou na ocasião uma carta da agência.
O parlamentar havia enviado uma carta anterior à entidade em 4 de outubro de 2023 requerendo a suspensão, na Europa, das autorizações de venda das vacinas Comirnaty e Spikevax, ambas de RNA mensageiro e feitas contra a covid-19. No dia 18 daquele mesmo mês, a EMA respondeu às ponderações do deputado com documento no qual defende a segurança dos imunizantes e mantém a recomendação do uso deles.
"As evidências continuam a mostrar que as vacinas proporcionam proteção, o que é particularmente importante para as pessoas vulneráveis. Remover essas vacinas como uma opção aos estados-membro da União Europeia e para os profissionais de saúde sem a devida atenção aos dados disponíveis seria, portanto, um grande desserviço para a União Europeia e para a saúde pública", aponta a carta assinada por Emer Cooke, diretora-executiva da EMA. Esse trecho não é lido pelo deputado na coletiva.
O médico brasileiro, que se baseia na entrevista coletiva, alega que a EMA teria admitido não haver indicação de imunização para menores de 60 anos, que a covid-19 tem baixíssima letalidade entre pessoas jovens e sadias, e que não há registros de efeitos secundários das vacinas. A entidade não faz nenhuma dessas alegações.
Na carta, a EMA afirma que as vacinas são indicadas para ativar a proteção do indivíduo imunizado contra a doença e que as autoridades de saúde monitoram continuamente os dados sobre vacinados e relatos de eventuais efeitos, ponderando que nem toda adversidade pode ser associada aos imunizantes.
"Tais eventos adversos podem ocorrer por outras razões em pessoas vacinadas, como acontecem em pessoas não vacinadas", explica a EMA na carta enviada ao deputado e tornada pública desde então.
Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.
Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. O vídeo teve 776 mil visualizações, 60,7 mil curtidas e 1,6 mil comentários até 1º de dezembro.
Como verificamos: Acessamos o link disponibilizado na postagem original. A partir da descrição do vídeo no link, foi possível entender que se tratava de uma coletiva de imprensa concedida no Parlamento Europeu em Estrasburgo, na França, em 21 de novembro de 2023. Na ocasião, não houve qualquer participação da Agência Europeia de Medicamentos.
A coletiva foi comandada por Marcel de Graaff, deputado europeu pelo partido holandês Fórum pela Democracia (FVD) e conhecido por se manifestar contra a vacinação, e tratou de uma carta escrita pela EMA em resposta a questionamentos anteriores dele, relativos às vacinas contra covid-19.
A partir dessas informações, fizemos buscas no Google com os termos "Fórum pela Democracia", "Parlamento Europeu" e "vacina", com um filtro temporal para resultados a partir do dia 21 de novembro. A busca, entretanto, não retornou resultados relevantes. Refizemos, então, a mesma pesquisa, porém com os termos em francês "Parlement Européen", "Forum pour la Démocratie" e "vaccin". Com essa nova pesquisa encontramos uma reportagem da AFP checando os pontos abordados na coletiva de imprensa.
De acordo com a matéria da AFP, a coletiva gerou diversos conteúdos de desinformação em vários países da Europa, principalmente nos Países Baixos, na Alemanha, na Bulgária e na Bélgica.
Encontramos a carta mencionada pelo deputado europeu na seção "Cartas Abertas" no site da EMA, contrariando o médico autor da postagem, que afirma que a entidade não teria divulgado o documento.
Também entramos em contato com o médico autor da postagem original.
O que diz a carta da EMA
A coletiva de imprensa mencionada pelo médico autor da publicação não contou com a participação de representantes da EMA. Participam da apresentação os deputados Marcel de Graaff e Joachim Kuhs (do partido alemão AfD, de extrema-direita), a médica dinamarquesa Vibeke Manniche e o holandês Willem Engel, líder da organização Viruswaarheid (Verdade sobre o Vírus, em holandês).
Durante a coletiva, os participantes falaram sobre uma carta enviada a eles pela EMA, em resposta a uma carta remetida anteriormente por De Graaff. De acordo com o deputado, ele havia pedido à Agência que retirasse a autorização de comercialização de vacinas contra a covid-19.
Bem como o médico autor do vídeo, De Graaff diz que a EMA teria autorizado "apenas a vacinação individual e não a vacinação em massa para controle da doença" e que, com poucas exceções, "menores de 60 anos não deveriam ter sido vacinados". Os outros participantes da entrevista afirmam também que haveria "lotes de vacinas perigosos" e que não haveria registros adequados dos efeitos adversos das vacinas.
A carta referenciada durante a coletiva está disponível na íntegra no site da EMA. A partir da leitura do texto, é possível verificar que a EMA não "desqualificou as vacinas de RNAm" e que o uso da carta feito na coletiva ? e posteriormente pelo médico no Instagram ? não condiz com o conteúdo do documento.
Sobre a alegação de que pessoas com menos de 60 anos não deveriam ser vacinadas, salvo exceções: a carta da EMA não menciona uma idade limite para a utilização da vacina. O documento diz apenas que as vacinas "também fornecem proteção contra formas graves da doença, incluindo hospitalização. Isso é particularmente importante para pessoas vulneráveis ??que correm maior risco".
Apesar de a carta da EMA não mencionar a vacinação de menores de 60 anos, há outros documentos e estudos que comprovam a eficácia e importância da vacinação desta faixa etária. Uma pesquisa conduzida no Paraná, mostrou que, entre pessoas com menos de 60 anos, o número de mortes de não vacinados foi 83 vezes maior do que no caso de pacientes imunizados.
Sobre a alegação de que a EMA só autorizou comercialização de vacina de RNAm para proteção individual, e não para vacinação em massa: na carta, a Agência realmente afirma que as vacinas não foram indicadas para prevenir a transmissão de uma pessoa para outra, e sim para a proteção de indivíduos vacinados apenas. O documento ainda aponta que não há dados o suficiente para avaliação conclusiva sobre a prevenção de transmissão da doença em relação aos imunizantes.
No entanto, diferentemente do que alega o autor da postagem, a agência não diz que "não fazia sentido imunizar todo mundo" nem que o imunizante foi autorizado para aplicação "dependendo do médico". Depois da coletiva de imprensa, a EMA adicionou uma seção em seu site respondendo a pergunta "vacinas contra a covid-19 reduzem a transmissão do vírus SARS-CoV-2?". De acordo com a Agência, apesar de o principal objetivo da vacina ser a proteção contra a doença, isso não significa que ela não possa reduzir a transmissão do vírus. Após a autorização das vacinas pela EMA, estudos comprovaram que vacinas contra a covid-19 podem, sim, prevenir a transmissão do vírus.
Sobre a alegação de que não há registros adequados dos efeitos adversos da vacina: a carta da EMA fala várias vezes sobre efeitos adversos das vacinas, mas em momento algum diz que não há registros deles. "Gostaríamos de salientar que a EMA e as autoridades nacionais monitoram continuamente os dados sobre os efeitos secundários notificados", afirma o documento.
A carta ainda clarifica que a notificação de uma suspeita de efeito colateral não é evidência que a vacinação seja a causa do efeito em questão. "Para determinar se uma vacina tem um efeito adverso, as autoridades têm de avaliar todos os dados relevantes, incluindo dados que possam indicar que a condição ocorre com maior frequência em pessoas vacinadas ou pessoas recentemente vacinadas do que em outras."
Sobre a alegação de que a proteína Spike é tóxica: o documento redigido pela EMA não menciona efeitos da proteína Spike para humanos, tanto na vacinação, quanto em outros contextos, como, por exemplo, na própria infecção por SARS-CoV-2.
Entretanto, a possibilidade da proteína Spike utilizada nas vacinas ser tóxica já foi discutida por pesquisadores. Ainda que o assunto esteja sob evolução, estudos publicados pela Universidade de Stanford, nos Estados Unidos, chegam à conclusão de que, apesar de poder haver certa toxicidade nas proteínas Spike das vacinas, os imunizantes "são uma boa aposta por serem muito menos tóxicos do que as proteínas spike produzidas durante as infecções virais que previnem".
Este artigo publicado pela Universidade de Berkeley, nos EUA, discute possíveis efeitos da proteína Spike em casos graves de covid-19 e vai ao encontro do que diz a outra pesquisa. "A quantidade de proteína Spike que circula no corpo após a vacinação é muito menos concentrada do que as quantidades observadas em pacientes com covid-19 grave e que foram utilizadas no estudo."
Autor de vídeo teve outros conteúdos verificados
O autor do vídeo é o médico clínico geral Roberto Sebastian Zeballos, já verificado pelo Comprova em ocasiões anteriores por divulgar conteúdos falsos ou enganosos sobre a pandemia (1, 2, 3, 4, 5, 6, 7).
Em 2021, reportagem do Aos Fatos mostrou que Zeballos era um dos médicos com maior projeção de conteúdos de desinformação sobre a doença. Na conta do Instagram, em que divulgou o vídeo com alegações enganosas sobre a carta da EMA, ele acumula atualmente 651 mil seguidores.
Em janeiro do ano passado, professores da Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) divulgaram uma carta aberta em protesto às declarações de Zeballos contra as vacinas da covid-19. O médico é formado pela instituição, na qual também obteve grau de mestre e doutor em imunologia.
"Embora tenha o grau de médico e doutorado, parece que pouco aprendeu sobre metodologia científica e aplicações práticas de epidemiologia clínica. Situação que gera, para dizer o mínimo, falta de credibilidade e de integridade. Apresentar experiência clínica individual como única prova da veracidade de suas hipóteses é desconhecer o mais simples pressuposto de metodologia científica. Ninguém julga um tratamento com base em experiência individual", escreveram os autores da carta.
Em uma das ocasiões em que foi procurado pelo Comprova, Zeballos afirmou que suas afirmações sobre a covid-19 são baseadas na experiência tratando casos da doença. O Comprova voltou a questioná-lo sobre o tema, mas não recebeu retorno até esta publicação.
Mais recentemente, o Comprova mostrou ser enganoso que a FDA, agência norte-americana que regula medicamentos quanto à eficácia e segurança, tenha autorizado o uso da ivermectina para a prevenção ou tratamento da covid-19, o que havia sido alegado por Zeballos também em vídeo no Instagram.
O que diz o responsável pela publicação: O Comprova tentou contato por telefone e WhatsApp com o autor da publicação, mas não obteve retorno até a publicação desta verificação.
O que podemos aprender com esta verificação: Uma tática comum usada por desinformadores para criar o efeito de credibilidade para informações falsas é usar documentos reais de forma distorcida. No caso verificado, o médico utilizou-se das falas de um deputado europeu que, já naquela altura, deturpou uma carta da EMA, com conteúdo de defesa da vacinação, ou seja, no sentido contrário ao que é alegado pelos desinformadores. Por isso, é importante consultar declarações originais e diversos veículos de comunicação, além de desconfiar caso não seja informada a fonte primária da informação.
Por que investigamos: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas e eleições no âmbito federal e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.
Outras checagens sobre o tema: Conteúdos falsos ou enganosos sobre a vacinação contra a covid-19 são frequentemente verificados pelo Comprova. Recentemente, mostramos que uma médica engana ao dizer que os imunizantes causam infarto e morte súbita em crianças e ser falsa a alegação de que o Parlamento Europeu tenha classificado a vacina como arma biológica.
Investigação e verificação
GZH e NSC participaram desta investigação e a sua verificação, pelo processo de crosscheck, foi realizada pelos veículos Estadão, A Gazeta, Folha, SBT e SBT News
Projeto Comprova
Esta reportagem foi elaborada por jornalistas do Projeto Comprova, grupo formado por 41 veículos de imprensa brasileiros, para combater a desinformação. Iniciado em 2018, o Comprova monitorou e desmentiu boatos e rumores relacionados à eleição presidencial. Na quinta fase, o Comprova verifica conteúdos suspeitos sobre políticas públicas do governo federal e eleições, além de continuar investigando boatos sobre a pandemia de covid-19. O SBT e SBT News fazem parte dessa aliança.
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