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Comprova

Protocolo de uso da cloroquina não aumentou o número de pacientes recuperados de covid-19 no Brasil

ENGANOSO: Post que viralizou afirma que depois do `protocolo da cloroquina` o Brasil passou a ter o `número de curados quase duplicado`; o Comprova verificou que a porcentagem de pessoas recuperadas, ante os casos da doença se mostra estável

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É falsa a afirmação de que o número de pacientes recuperados de covid-19 no Brasil aumentou depois que o Ministério da Saúde passou a recomendar o uso de cloroquina em casos leves de covid-19. O Projeto Comprova verificou o texto publicado no dia 29 de maio no site `Agora Paraná`, assinado por Oswaldo Eustáquio. O autor diz que depois da adoção do `protocolo da cloroquina` o Brasil passou a ter o `número de curados quase duplicado`. Mas os dados do Ministério da Saúde desmentem essa alegação.

O blogueiro, conhecido defensor do presidente Jair Bolsonaro, comemora que o Brasil tinha o segundo maior número de pacientes curados até um dia antes da publicação ? ou seja, 28 de maio ? e que havia ultrapassado a Alemanha. Em entrevista por telefone, ele disse que se baseou em dados da Universidade Johns Hopkins para chegar a essa conclusão. `Minha matéria é muito específica e clara. A fonte é uma instituição reconhecida mundialmente como a maior faculdade de ciências do mundo, e isso está no ranking [da John Hopkins], e a minha matéria não diz sobre estatística, sobre porcentagens, é sobre números [absolutos]`, afirmou.

De fato, os dados da universidade informam que, na data, o Brasil tinha o segundo lugar em quantidade de pacientes recuperados, 177.604 (veja mais detalhes abaixo). Mas a forma como Eustáquio usou a informação é enganosa já que, naquele momento, o país também era medalha de prata em infecções: 438.238 casos confirmados. Uma taxa de recuperação de 40,5%. No mesmo dia, a Alemanha registrou 163.360 pacientes livres da covid-19, mas sobre um universo de infectados muito menor: 182.196. No caso dos alemães, a taxa de recuperação mais que dobra, chegando a 89%.

Por que investigamos?

O Comprova verifica conteúdos sobre o novo coronavírus, e a covid-19, doença provocada por ele, que tenham grande viralização. É o caso da reportagem do site Agora Paraná.

Esses conteúdos são relevantes pois se inserem em uma lista de materiais que circulam com o intuito de minimizar a pandemia de covid-19. O potencial negativo desses conteúdos é significativo, pois eles podem ter como resultado uma desmobilização da sociedade em praticar o isolamento social e adotar medidas de higiene necessários para combater a proliferação do vírus, para o qual não há cura ou vacina.

No Brasil, após o presidente Jair Bolsonaro defender a tese de que a pandemia não é grave e de que a cloroquina é uma alternativa para a doença, páginas conhecidas por apoiá-lo adotaram esse discurso. Nas últimas semanas, o Comprova verificou, por exemplo, conteúdos que levantavam dúvidas sobre o número de mortes por covid-19 e os registros de óbitos em cartórios.

Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro com o propósito de mudar o seu significado; conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Como verificamos?

A equipe do Comprova foi atrás de dados sobre infecção, óbito e recuperação de pacientes de covid-19 no Ministério da Saúde e nos arquivos da Universidade John Hopkins. Com eles foi possível calcular as taxas de recuperação dos pacientes infectados aqui no Brasil e na Alemanha na data de publicação do texto verificado.

Também buscamos as diretrizes para o tratamento medicamentoso de pacientes com covid-19, divulgadas pelo Ministério da Saúde no dia 20 de maio. Esse protocolo trata do uso da cloroquina e da hidroxicloroquina em pacientes mesmo que estejam com sintomas leves. Determina como deve ser feita a aplicação e a dosagem. O doente deve autorizar o uso do medicamento.

Também procuramos a assessoria de imprensa do ministério, para entender se há relação entre a publicação das diretrizes e um aumento na média de pacientes recuperados de covid-19.

Ainda sobre o uso de cloroquina, buscamos as pesquisas mais recentes sobre o medicamento em todo mundo. E questionamos o Conselho Federal de Medicina para saber se é possível falar em `cura` quando se trata de covid-19.

Por fim, o Comprova entrou em contato com o autor do texto, o blogueiro Oswaldo Eustáquio. Inicialmente, o Comprova enviou um Whatsapp questionando o texto escrito por ele, que respondeu com prints de números de recuperados. Perguntado sobre a fonte dos dados, ele ligou para o Comprova.

Verificação

Não é possível afirmar que há uma relação direta entre o uso da cloroquina e a recuperação de pacientes de covid-19. No texto verificado, o autor comemora `a marca de 177 mil pessoas curadas` até o dia 28 de maio e afirma que após a `prescrição e o uso deste medicamento (cloroquina), o Brasil começou a ter o número de curados praticamente duplicado`. Os números oficiais divulgados pelo Ministério da Saúde não confirmam a afirmação. Cruzamos o número de casos confirmados até o dia da postagem (28 de maio), 438.238, com o de pacientes recuperados na mesma data, 177.604, e chegamos a uma taxa de recuperação de 40,5%. Esse índice pouco variou depois da adoção do protocolo. Era de 38,4% no dia 16 de maio e 40% no dia em que o documento entrou em vigor, 20 de maio. No dia 03 de junho era de 40,8%. Veja a variação nos gráficos abaixo.


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O blogueiro diz ainda que temos `oito mil curados, em média, por dia`. De fato, nos oito dias entre as diretrizes entrarem em vigor e a publicação do texto no `Agora Paraná` a média de pacientes recuperados, ainda segundo os dados do ministério, foi de 7,8 mil por dia. Mas o número de `curados` não foi `duplicado`, como ele alega. Nos oito dias que antecederam o protocolo a média foi de 4,9 mil pacientes recuperados por dia.

Calculamos também o número de óbitos em relação ao total de infecções. Essa taxa sofre uma pequena variação depois da adoção do protocolo. Era de 6,7% em 16 de maio, dia em que foram registradas 15.633 mortes. No dia 20 de maio foram 18.859, 6,4% do total. No dia da publicação do texto verificados, 28 de maio, o registro foi de 26.754 mortes, 6,1% do total de casos confirmados. Confira o gráfico.


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Quem é Oswaldo Eustáquio

Filho de pai militar e mãe paraguaia, Eustáquio se define no Twitter como `jornalista investigativo, apaixonado pela verdade, inimigo da corrupção. Conservador`. Ele assina textos no site `Agora Paraná` que publica conteúdos enviesados e distorcidos, como o publicado no dia 3 de junho que informa que Eustáquio teria sido arrastado pelo carro da reportagem do `Estadão`. Segundo nota da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), `a versão do vídeo divulgada por militantes bolsonaristas não (?) inclui o momento em que Eustáquio tenta impedir a equipe do ?Estadão? de deixar o local, ao manter sua mão na porta do carro`.

Em fevereiro deste ano, Eustáquio foi condenado pela Justiça a pagar R$ 15 mil por publicar uma informação falsa envolvendo o jornalista norte-americano Glenn Greenwald, do site The Intercept Brasil.

Em uma reportagem da TVCI, de Paranaguá (PR), publicada em maio de 2019 no YouTube, Eustáquio se diz `amigo pessoal` da ministra Damares Alves e conta que trabalhou na comunicação da pasta durante a transição, no início do governo Bolsonaro. A matéria é sobre a saída de Eustáquio da emissora, onde ele ficou por oito anos no comando do jornalismo, e sua mudança para Brasília. `Fiquei de dezembro até fevereiro na condução da comunicação do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, da ministra Damares Alves, minha amiga pessoal. Fiz toda essa transição. Agora vou a Brasília trabalhar com comunicação`, ele diz na reportagem.

Ainda sobre a relação de Eustáquio com o governo federal, sua mulher, a indígena Sandra Terena, é secretária nacional de Políticas de Promoção da Igualdade Racial do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos.

Mais recentemente, em maio, ajudou a criar o acampamento `Os 300 do Brasil`, em Brasília. Segundo a ativista de grupo de extrema direita Sara Winter contou em uma Live com o blogueiro, foi ele quem teve a ideia: `O Oswaldo falou assim, ?acho que a gente tinha que chamar todo mundo para acampar aqui em Brasília; a gente tinha que fazer um acampamento, se mobilizar?`.

Existe cura para a covid-19?

Um paciente que foi diagnosticado com covid-19 é considerado `recuperado` depois de dois resultados negativos em exames laboratoriais para SARS-CoV-2. Isso costuma acontecer 14 dias depois da infecção inicial. O Ministério da Saúde brasileiro segue esta orientação.

Para o Conselho Federal de Medicina, ainda não há medicamentos capazes de `curar` a covid-19. Por e-mail, o CFM disse que `até o momento, não existem evidências robustas de alta qualidade que possibilitem a indicação de uma terapia farmacológica específica para a covid-19`. Para o Conselho, há justificativas para o uso de a cloroquina e a hidroxicloroquina no tratamento de covid-19 por causa da ação anti-inflamatória, do baixo custo e dos efeitos colaterais conhecidos dos medicamentos. Mas ressalva: `não existem até o momento estudos clínicos de boa qualidade que comprovem sua eficácia em pacientes com covid-19. Esta situação pode mudar rapidamente, porque existem dezenas de estudos sendo realizados ou em fase de planejamento e aprovação`.

Eficácia em xeque

Um estudo sobre a eficácia da cloroquina foi divulgado pelo New England Journal of Medicine no dia 3 de junho. Realizado por pesquisadores da Universidade de Minnesota, nos EUA, com 821 norte-americanos e canadenses risco alto a moderado de contrair covid-19. O teste foi planejado de acordo com padrões científicos internacionais. Parte dos voluntários recebeu uma dose diária de hidroxicloroquina ? forma menos tóxica da cloroquina ? ao longo de cinco dias. Outro grupo recebeu placebo. A conclusão foi de que a hidroxicloroquina não foi eficiente para prevenir a infecção pelo novo coronavírus. `Foi decepcionante, mas não surpreendente`, declarou em entrevista o pesquisador David Boulware.

A Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC), o Conselho Federal de Medicina (CFM), a Sociedade Brasileira de Imunologia (SBI), a Sociedade Brasileira de Virologia (SBV), a Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia (SBPT), a Associação de Medicina Intensiva Brasileira (AMIB), a Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI), a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), o Conselho Federal de Enfermagem (Cofen) e a Associação Médica Brasileira (AMB) são algumas das organizações científicas e profissionais que publicaram orientações e recomendações reforçando que ainda não há evidências que comprovem a eficácia do medicamento, e que sua eventual aplicação seja feita conforme a situação ou protocolo determinado.

Protocolo para uso da cloroquina

A partir de maio, o Ministério da Saúde passou a orientar a prescrição da cloroquina e da hidroxicloroquina já a partir de sintomas leves. O protocolo sugere o uso da cloroquina ou da hidroxicloroquina associadas ao antibiótico azitromicina desde o primeiro dia, com doses que aumentam de acordo com a gravidade e com o tempo de infecção. Por e-mail, a assessoria de imprensa do Ministério da Saúde ressaltou que `o Sistema Único de Saúde (SUS) é tripartite e funciona com a articulação das ações entre Governo Federal, estados e municípios. Sendo que cada esfera tem autonomia para tomar decisões que estão sob a sua gestão`, inclusive sobre o uso do medicamento.

No protocolo, há uma série de exames que precisam ser realizados antes que a cloroquina seja indicada, como eletrocardiograma e diagnóstico para covid-19. O texto também ressalva que faltam estudos para embasar o uso dos medicamentos. `Não há meta-análises de ensaios clínicos multicêntricos, controlados, cegos e randomizados que comprovem o benefício inequívoco dessas medicações para o tratamento da covid-19`, diz. Por fim, o protocolo é claro ao deixar a decisão final sobre o uso da cloroquina nas mãos do médico e do paciente, que precisa assinar um Termo de Ciência e Consentimento.

Ainda por e-mail, a assessoria do Ministério da Saúde informou que `não possui o levantamento de pacientes que adotaram o protocolo de uso de cloroquina no tratamento para a covid-19 nem o número de pacientes recuperados que fizeram o uso deste medicamento`.

Contexto

Mesmo sem eficácia comprovada, o uso da cloroquina e da hidroxicloroquina tem sido defendido pelo presidente Jair Bolsonaro desde o começo da pandemia. Não há nenhum estudo internacional que reconheça a eficiência do medicamento. Ainda assim, Bolsonaro e seus seguidores insistem em defender a prescrição, alinhados ao discurso do presidente norte-americano Donald Trump.

A polêmica sobre o uso da cloroquina foi pivô da demissão de dois ministros da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, em 16 de abril, e Nelson Teich, em 15 de maio. Desde então, a pasta está nas mãos do general Eduardo Pazuello, promovido de secretário-executivo a ministro interino pelo presidente Jair Bolsonaro, no dia 03 de junho. Foi sob o comando dele que o Ministério da Saúde publicou o protocolo de uso da cloroquina no combate ao novo coronavírus.

Críticas ao distanciamento social

As críticas às medidas de distanciamento social são outro lugar-comum entre os apoiadores de Jair Bolsonaro, e Oswaldo Eustáquio não é diferente. O blogueiro acredita governadores e prefeitos vão manter as populações isoladas `enquanto houver dinheiro público para gastar sem licitação`. Essa ideia aparece com frequência em boatos sobre a pandemia, numa tentativa de enfraquecer as políticas de isolamento que vão contra as ideias do presidente. O Comprova já verificou desinformação sobre desvios de dinheiro público.

No texto verificado Eustáquio afirma, sem provas, que o número de `curados` é uma informação `escondida a sete chaves pela grande mídia` para `assustar e enganar a população através dos meios de comunicação de massa para legitimar os governos estaduais e a manterem o lockdown`. Na contramão desse raciocínio, as políticas de isolamento têm sido afrouxadas pelos estados nas últimas semanas, depois que o protocolo foi publicado.

Alcance

Os dados coletados até o dia 08 de junho mostram que o texto de Oswaldo Eustáquio teve bastante alcance nas redes sociais, embora nem sempre associado ao nome do blogueiro. O texto original, publicado no site `Agora Paraná` teve 28,1 mil interações. O link foi reproduzido pelo perfil de Twitter de Eustáquio, alcançando 5,4 mil likes e 2,5 retweets.

O site `Canal Gama` reproduziu o texto na íntegra e, embora tenha dado crédito ao `Agora Paraná`, não usou o nome de Oswaldo Eustáquio. Nessa página foram 10,6 mil interações. Já no perfil de Facebook ligado ao site foram mil compartilhamentos.

Investigação e verificação

Folha e SBT participaram desta investigação e a sua verificação, pelo processo de crosscheck, foi realizada pelos veículos UOL, Sistema Jornal do Commercio, Poder360 e Nexo.

Projeto Comprova

Esta reportagem foi elaborada por jornalistas do Projeto Comprova, grupo formado por 28 veículos de imprensa brasileiros, para combater a desinformação. Em 2018, o Comprova monitorou e desmentiu boatos e rumores relacionados à eleição presidencial. A edição de 2019 foi dedicada a combater a desinformação sobre políticas públicas. Agora, na terceira fase, o Comprova vai retomar o monitoramento e a verificação de conteúdos suspeitos sobre políticas públicas do governo federal e eleições municipais, além de continuar investigando boatos sobre a pandemia de covid-19. O SBT faz parte dessa aliança.

Desconfiou da informação recebida? Envie sua denúncia, dúvida ou boato pelo WhatsApp 11 97795 0022.

 

 

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