Receita de "medicina natural" não combate a covid-19
FALSO: Não há comprovação científica da eficiência de uma receita natural associada a medicamentos para a covid-19 publicada nas redes sociais. Post investigado usa indevidamente foto de um infectologista que não reconhece o texto como seu
15/07/2020
Conteúdo verificado: Texto publicado pela página `Alertando a Cidade` no Facebook explica a ação do coronavírus em três fases e recomenda o uso de uma receita natural combinada com medicamentos para o combate da covid-19, nos primeiros quatro dias da contaminação do vírus.
Uma publicação que circula nas redes sociais, desde 10 de junho, engana ao aconselhar uma receita de `medicina natural` para combater os sintomas da covid-19. O texto ressalta que o vírus passaria por `fases de ataque`, antes de ocorrer o risco de morte. Ainda no mesmo texto, há uma recomendação de medicamentos naturais, que seriam eficientes para combater o vírus `nos primeiros quatro dias de contaminação`.
O texto não está assinado e o nome do responsável pela receita não é revelado. A publicação usa a foto de um homem com máscara, que seria um profissional de saúde. A foto utilizada é de um infectologista da Paraíba, no nordeste brasileiro. O especialista não tem relação alguma com o texto e a receita não tem provas científicas de cura. Os responsáveis pela página foram procurados pelo Comprova, mas até agora, não responderam às tentativas de contato.
Como verificamos?
Para fazer a verificação da imagem utilizada no post, foi utilizado o Google Imagens, uma ferramenta de busca reversa que faz a localização de imagens por comparação, semelhança ou igualdade na internet. A única foto que aparecia disponível era a imagem da publicação falsa.
Como o primeiro levantamento não foi bem sucedido, foi utilizado o Bing Image Match, que identificou a imagem como sendo compatível com o frame (imagem) do vídeo usado no Twitter do Jornal Nacional, telejornal noturno da TV Globo.
Localizada a publicação no microblog do telejornal, foi detectado que a imagem era a mesma do depoimento de Fernando Chagas, que foi ao ar na edição do dia 13 de maio do JN.
Após a busca inicial no Bing Image Match, a ferramenta passou a direcionar para o site Globoplay, onde está hospedado o depoimento em vídeo do infectologista.
Após a identificação, um nova rodada de buscas foi realizada por meio de ferramentas como Google, para acessar páginas como a do Conselho Regional de Medicina, Currículo Lattes, do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e de notícias locais, no Estado da Paraíba, para levantar informações biográficas, profissionais e autorais sobre o médico foi realizada e, logo depois, foi agendada uma entrevista por vídeo com o especialista.
Já para o levantamento de informações a respeito das medicações hidroxicloroquina, azitromicina e ivermectina, foi feita uma pesquisa básica no Google diretamente nas páginas da Organização Mundial da Saúde, Organização Pan-Americana da Saúde e Ministério da Saúde do Brasil. Nessas páginas foram levantados documentos, protocolos e estudos oficiais sobre os medicamentos citados e pesquisados como possibilidades terapêuticas para a covid-19. O Comprova também entrou em contato com a Sociedade Brasileira de Infectologia, e realizou uma entrevista com um médico indicado pela entidade para confirmar a veracidade das informações que constavam no `receituário`.
O Comprova fez esta verificação baseado em informações científicas e dados oficiais sobre o novo coronavírus e a covid-19 disponíveis no dia 14 de julho de 2020.
Verificação
Homem da foto é médico infectologista
O homem mostrado na publicação é o médico-infectologista e farmacêutico Fernando Martins Selva Chagas. Ele é diretor-geral do Complexo Hospitalar de Doenças Infecto-contagiosas Dr. Clementino Fraga, localizado em João Pessoa, capital da Paraíba. Chagas foi nomeado em abril deste ano, na unidade que é considerada uma referência para casos de covid-19 naquela região.
A imagem do médico surgiu a partir de um depoimento que ele fez na edição do Jornal Nacional, da TV Globo, no dia 13 de maio. A foto foi copiada de uma captura de tela do depoimento e utilizada na publicação enganosa na rede social.
Procurado pelo Comprova, Fernando Chagas confirma que a imagem é dele. Na entrevista, Chagas explica que no período da pandemia ele tem dado várias entrevistas para vários órgãos de imprensa para prestar serviço à sociedade sobre o coronavírus.
Além disso, o especialista ressalta que nunca prescreveria online algo `absurdo` como foi colocado na publicação. `Sempre penso as prescrições, elas são feitas individualmente, para cada pessoa. A gente considera a idade, peso, uma série de características. É importante ver o paciente; é importante retornar ao paciente. Você imagina a quantidade de pessoas expostas às ações dos medicamentos e substâncias porque estão lendo isso daí?!`, respondeu indignado.
Sobre as fases do vírus, o infectologista afirma que existem etapas do avanço da doença, porém não é como foi colocado na publicação enganosa. A ideia, segundo o especialista, é entender os sintomas para que seja possível atuar com mais eficiência no uso dos medicamentos.
`É uma forma conceitual a respeito da doença, na verdade, para gente entender alguns momentos que se pode primeiro entender os sintomas, sinais e sintomas da doença; segundo, que em alguns momentos que se pode atuar com algumas fases específicas de medicamentos. É basicamente isso`, conclui.
Sobre a receita natural
A receita verificada pelo Comprova menciona uma série de medicamentos e métodos `naturais` que devem ser usados em cada uma das `fases da infecção`. Além de drogas como a hidroxicloroquina e a ivermectina, são mencionadas dicas de medicina natural, que segundo o próprio texto, devem ser usadas de forma complementar.
Entre as sugestões estão o chá de cascas de alho, suplementos de vitamina D, uma mistura de mel, açafrão e outras ervas. Cada elemento seria usado para combater um dos sintomas da covid-19. Para abaixar a febre, por exemplo, a publicação recomenda `banho e/ou toalha molhada no corpo`.
Segundo o médico infectologista e consultor da Sociedade Brasileira de Infectologia, Alexandre Naime, a combinação de medicamentos e compostos de `medicina natural` apresentada no texto que verificamos não tem qualquer eficácia cientificamente comprovada no tratamento de pacientes da covid-19.
`Não existe, como já comprovado inclusive para outras patologias, benefício de `shot` de vitamina D; nada de coquetel de imunidade funciona`, afirma Naime. Um dos trechos do `receituário` indica a ingestão de suplemento de vitamina D como forma de `aumentar a imunidade`.
A suposta ligação entre a infecção pelo novo coronavírus e a deficiência de vitamina D no organismo é um tema constante de boatos que circulam pelas redes pelo menos desde fevereiro. O Ministério da Saúde também já desmentiu informações a respeito.
O açafrão e o alho, outros dos supostos ingredientes do tratamento `natural` sugerido pelo `receituário`, já foram objeto de uma checagem publicada pelo Estadão, em Abril; outra mensagem, de março, que associava a mistura de limão com bicarbonato à cura da covid-19 foi verificada e classificada como falsa pelo Comprova.
O fitoterápico Ginkgo Biloba, indicado na prescrição como anticoagulante, tem, na bula padrão divulgada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária, contraindicações relacionadas ao uso por pacientes `com coagulopatias ou em uso de anticoagulantes`. O próprio medicamento indicado para `afinar e oxigenar o sangue`, a Aspirina, poderia ter efeitos indesejados na mistura com o fitoterápico.
Além da ausência de comprovação de qualquer eficácia no tratamento do novo coronavírus, a Anvisa ainda alerta que, ao contrário da crença popular, as plantas medicinais e os medicamentos fitoterápicos podem provocar `diversas reações como intoxicações, enjoos, irritações, edemas (inchaços) e até a morte, como qualquer outro medicamento.`
Sobre a hidroxicloroquina, ivermectina e azitromicina
No caso da hidroxicloroquina, a Organização Mundial de Saúde (OMS) informou no dia 4 de julho deste ano que aceitou a recomendação do Comitê Diretor Internacional do Estudo de Solidariedade ? grupo de estudos clínicos, que participam 5.500 pacientes, em 21 países ? para interromper os estudos sobre hidroxicloroquina devido aos baixos resultados ou avanços na redução da mortalidade de pacientes com covid-19 hospitalizados. `Esses resultados provisórios mostram que a hidroxicloroquina e o lopinavir/ritonavir produzem pouca ou nenhuma redução na mortalidade de pacientes com covid-19 hospitalizados quando comparados ao padrão de atendimento. Os investigadores do estudo de solidariedade interromperam os estudos com efeito imediato`, explica a declaração, no site da OMS.
Sobre o uso do antiparasitário ivermectina, a Organização Mundial da Saúde, por meio da Organização Pan-Americana da Saúde (OMS/OPAS) publicou uma recomendação em 22 de junho, apontando que apesar de alguns resultados positivos em testes laboratoriais, com células infectadas, ainda não há resultados suficientes e seguros para indicar o medicamento antiparasitário para o tratamento da covid-19 em humanos. `A ivermectina está sendo usada incorretamente para tratar a covid-19, sem nenhuma evidência científica de sua eficácia e segurança no tratamento desta doença`, conclui o estudo da OPAS. No dia 10 de julho, a Anvisa se manifestou oficialmente contra o uso da ivermectina no tratamento da covid-19.
Em relação à azitromicina, apesar da Organização Mundial da Saúde (OMS) não apontar um único remédio ou tratamento eficaz contra a covid-19, o Ministério da Saúde brasileiro elaborou uma cartilha sobre orientações para uso de medicamentos, lançada pela pasta em junho, orienta o uso da azitromicina nos primeiros cinco dias de tratamento da doença, combinado com a hidroxicloroquina.
O Comprova publicou em 8 de julho uma investigação que aponta ser falso um texto publicado em uma página de rede social em que o uso dos medicamentos como azitromicina e ivermectina seriam úteis sem consulta médica.
Por que investigamos?
O Projeto Comprova verifica conteúdos suspeitos que viralizam na internet e nas redes sociais. Quando o assunto está relacionado à pandemia do novo coronavírus, a checagem é ainda mais relevante, já que a saúde das pessoas pode estar em risco.
No caso do receituário, a publicação na página `Alertando a Cidade` já ultrapassava os 100 mil compartilhamentos, além de dezenas de milhares de curtidas e comentários. Além de não citar os possíveis efeitos colaterais relacionados ao uso sem prescrição dos medicamentos listados, supostos métodos de combate à covid-19 podem dar aos leitores uma falsa sensação de segurança, que faz com que abandonem práticas realmente recomendadas pelas autoridades de saúde, como o distanciamento social, o uso de máscaras e a higiene das mãos.
Falso, para o Comprova, é o conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma mentira.
Investigação e verificação
SBT e BandNews FM participaram desta investigação e a sua verificação, pelo processo de crosscheck, foi realizada pelos veículos UOL, Piauí, Nexo, Estadão e Sistema Jornal do Commercio.
Projeto Comprova
Esta reportagem foi elaborada por jornalistas do Projeto Comprova, grupo formado por 28 veículos de imprensa brasileiros, para combater a desinformação. Em 2018, o Comprova monitorou e desmentiu boatos e rumores relacionados à eleição presidencial. A edição de 2019 foi dedicada a combater a desinformação sobre políticas públicas. Agora, na terceira fase, o Comprova retoma o monitoramento e a verificação de conteúdos suspeitos sobre políticas públicas do governo federal e eleições municipais, além de continuar investigando boatos sobre a pandemia de covid-19. O SBT faz parte dessa aliança.
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