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Comprova

Médico usa dados enganosos ao sugerir conspiração sobre covid-19

ENGANOSO: Verificamos as principais alegações de um post que faz referência a um vídeo de um grupo de médicos espanhóis que negam a existência da pandemia

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Conteúdo verificado: Em post no Instagram, médico lê texto sobre encontro realizado na Espanha, de uma organização chamada Médicos por la Verdad. Segundo os participantes e o médico, a pandemia é uma farsa `criada com fins políticos`.

O vídeo publicado no perfil do Instagram do médico Djalma Marques, conhecido como Dr. Kefir, traz conteúdo enganoso ao afirmar que `a cada dia vão caindo as máscaras da grande farsa da pandemia!`. Ele contraria autoridades sanitárias do mundo todo que estão tentando combater a pandemia. A covid-19 já provocou a morte de mais de 700 mil pessoas, segundo a Universidade Johns Hopkins. Só no Brasil, de acordo com o Ministério da Saúde, foram mais de 95 mil vítimas até a publicação deste texto.

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Logo no início da gravação, Marques afirma ter uma `notícia fantástica`, sobre uma conferência de médicos na Espanha realizada para a imprensa por um grupo chamado de Médicos por la Verdad. Entre os pontos que ele lê no vídeo, destaca-se o trecho: `Os médicos concordam com os seguintes pontos: as vítimas do coronavírus não superam em número as que morreram devido à gripe sazonal no ano passado na grande maioria dos países. Dois: os protocolos médicos em diferentes países foram alterados para exagerar nos resultados. Três: o confinamento de pessoas sadias e o uso forçado de máscaras não têm qualquer base científica`.

 

Nenhuma dos três pontos é verdadeiro. A taxa de letalidade do novo coronavírus, de acordo com estimativa da OMS, atualmente é de 0,6%? o índice vem sendo reavaliado conforme a evolução da doença e estudos sobre ela. Já a da gripe sazonal é de 0,1%. Também não há nenhuma comprovação de que algum país tenha alterado informações sobre a doença e o confinamento e o uso de máscaras são algumas das poucas medidas eficientes já conhecidas contra a covid-19.

Além de defender uma suposta conspiração com fins políticos, Marques receita remédios como a hidroxicloroquina, sem eficácia comprovada. Questionado pelo Comprova sobre a posição da OMS em pedir o cancelamento dos estudos com a droga, ele disse que a organização faz uso `mais que político` da doença. `Meu respeito pela OMS é zero.`

Como verificamos?

O Comprova buscou informações sobre Djalma Marques na plataforma de currículos acadêmicos Lattes, mantida pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), no Conselho Federal de Medicina e na rede social Linkedin.

Também encontramos no Facebook e no Instagram páginas relacionadas à BioLogicus, empresa da qual Marques é sócio-fundador. Foi por ela que conseguimos o contato do médico e realizamos uma entrevista por telefone.

Procurando no Google, encontramos um vídeo no YouTube com a gravação completa da conferência e conseguimos o contato da associação alemã (Außerparlamentarischer Corona Untersuchungsausschuss, ou Comissão de Inquérito Extra-parlamentar do Corona, segundo tradução livre) que deu origem ao movimento dos médicos negacionistas na Europa. Enviamos dois e-mails pedindo informações, mas não recebemos resposta até a publicação deste texto.

O Comprova fez esta verificação baseado em informações científicas e dados oficiais sobre o novo coronavírus e a covid-19 disponíveis no dia 5 de agosto de 2020.

Verificação

Quem é Djalma Marques?

Ele é médico e possui registro no Conselho Regional de Medicina do Estado da Paraíba (CRMPB). Em seu perfil no Linkedin, ele se descreve como `sócio-presidente, idealizador e fundador` da BioLogicus, uma empresa de biotecnologia. O texto de descrição do site diz que a companhia foi fundada em 2004 por Djalma Marques e pela engenheira química Fátima Fonseca.

Marques tem duas contas no Instagram. Uma delas, no entanto, não é atualizada desde o fim de 2019. Na outra, ainda ativa e com postagens quase diárias, ele se intitula `Doutor Kefir`, nome de um complemento alimentar. A BioLogicus anuncia em suas redes sociais diversos produtos à base da substância.

Em contato por telefone com o Comprova, Marques disse ter se formado em medicina em 1978 e exercido a profissão desde então. Ele diz ter atuado na área de homeopatia e, atualmente, trabalha como médico generalista. Seu registro no Conselho Federal de Medicina não especifica a área de atuação dele.

Máscaras e lockdown

Marques tem se dedicado nas redes sociais a postar conteúdos relacionados à covid-19 desde o começo da pandemia. Inicialmente, defendia o uso de máscara e pedia para que as pessoas permanecessem em casa. No fim de julho, porém, se referiu ao objeto como `focinheira`.

Questionado pelo Comprova, afirmou: `Fui um dos primeiros a dizer para as pessoas ficarem em casa e usarem máscara, porque a gente não conhecia nada do vírus. Depois que começamos a conhecer, a gente começou a mudar`. Ele disse ainda que `não existem trabalhos científicos mostrando que o uso de máscara previne ou evita a disseminação do vírus. Agora, existe o contrário, mostrando que não previne`.

Segundo o Comprova mostrou, no início de junho, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), reforça que as máscaras `reduzem a incidência de infecções` e recomenda seu uso em locais públicos, como supermercados e farmácias.

Ainda no vídeo verificado, Marques critica o lockdown. Questionado pelo Comprova, chamou a medida de `prisão domiciliar forçada`. `Vamos tirar esse nome lockdown do vocabulário porque somos brasileiros. Então, qual é o nome? Não tem nome ainda na ciência colocar todo mundo sadio, suspeito, doente, dentro de casa. A ciência tem nome para quarentena, que é pegar pessoas doentes, separá-las das pessoas sadias até que passem os sintomas ou sejam tratadas. Isso se chama quarentena.` E continuou: `Substituir o nome por lockdown é para deixar o povo na ignorância. Ou você tem uma prisão domiciliar forçada, ou você tem uma quarentena`.

As medidas de restrição e isolamento foram vistas pela OMS, desde o começo da pandemia, como algumas das mais eficazes para a contenção do vírus e o retardamento do pico de contágio da doença. `Além das medidas de lockdown, precisamos de estratégias abrangentes baseadas em vigilância, em intervenção de saúde pública, testes, quarentena, e fortalecer os sistemas de saúde para absorver o golpe`, disse Michael Ryan, diretor-executivo de emergências sanitárias da OMS, em 1 de abril.

Uso da hidroxicloroquina

Na parte final do vídeo, o médico afirma que a hidroxicloroquina se mostrou eficaz no tratamento da covid-19 `em diversos países`. O tratamento com a substância, porém, não tem comprovação científica. A Organização Mundial da Saúde e o National Health Service (Serviço Nacional de Saúde) do Reino Unido cancelaram estudos com a cloroquina e a hidroxicloroquina.

Nos Estados Unidos, um dos países citados por Marques, a Food and Drugs Administration (FDA), órgão equivalente à Anvisa, revogou a autorização para o uso emergencial da hidroxicloroquina para o tratamento da covid-19 no país.

No caso do Brasil, o uso da cloroquina e da hidroxicloroquina é amplamente defendido pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido). Ele ordenou que o Laboratório do Exército produzisse os medicamentos e a pressão pela adoção das substâncias custou o cargo de dois ministros da Saúde (Luiz Henrique Mandetta e Nelson Teich). Em maio, o Ministério da Saúde, já sob a gestão de Eduardo Pazuello, ampliou a possibilidade do uso da hidroxicloroquina e da cloroquina para pacientes com sintomas leves da covid-19 ? até então, elas eram previstas apenas em casos graves e com monitoramento em hospitais.

Em julho, a Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI) publicou um informe dizendo ser `urgente e necessário que a hidroxicloroquina seja abandonada no tratamento de qualquer fase da covid-19` diante das novas evidências científicas.

Em contato com o Comprova, Marques diz receitar hidroxicloroquina e ivermectina ? outra droga sem comprovação contra a doença ? aos seus pacientes. `Eu uso a hidroxicloroquina porque ela é segura. Tratei pacientes obesos, hipertensos, diabéticos, grávidas e não tive um caso de insucesso. Quem diz que não pode tem que explicar o porquê. Acho que é um tema mais político do que médico.` E continuou: `A OMS é liderada por um ex-guerrilheiro do partido comunista, que não é médico. Meu respeito por ela é zero`.

Tedros Adhanom, diretor-geral da organização, nunca atuou como guerrilheiro de um partido comunista. Entre 2005 e 2012, foi ministro da Saúde na Etiópia no governo do presidente Girma Wolde-Giorgis, filiado à Frente Democrática Revolucionária do Povo Etíope. A organização política, de esquerda, teve papel fundamental no fim do regime socialista de Mengistu Haile Mariam (de 1974 a 1991).

Vacina

No Brasil, está em teste uma vacina criada pelo Instituto Butantan em parceria com a empresa farmacêutica chinesa Sinovac Biotech e anunciada pelo governo do estado de São Paulo. Os testes foram autorizados pela Anvisa no início de julho. Já havia sido definido que o estudo clínico envolveria nove mil pessoas ? metade receberá a vacina e outra metade receberá um placebo para que seja possível comparar a resposta imune. Os participantes foram recrutados pelo governo ? entre os pré-requisitos para se candidatar era preciso ser profissional de saúde, estar atuando no tratamento de pacientes com o novo coronavírus, ainda não ter sido infectado e não estar grávida.

Os testes estão sendo realizados em 12 centros de pesquisa de seis estados do país. Os voluntários serão acompanhados durante três meses. Se a imunização se provar segura e eficaz, o Butantan produzirá 120 milhões de doses a partir do início de 2021. Segundo o instituto, nessa fase, a vacina será disponibilizada para todo o país pelo Sistema Único de Saúde (SUS).

Além desta, há a vacina desenvolvida pela Universidade de Oxford e pelo laboratório AstraZeneca em cooperação com o Brasil. Em junho, o Ministério da Saúde brasileiro anunciou ter entrado na parceria para a produção por meio da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). Segundo comunicado do órgão, serão 100 milhões de doses à disposição da população brasileira quando demonstrada a eficácia da proteção.

Embora haja testes e estudos para o combate ao novo coronavírus, Tedros Adhanom Ghebreyesus, diretor-geral da OMS, afirmou nesta semana que a espera por uma vacina pode ser longa. `Muitas vacinas estão na terceira fase de testes clínicos e todos esperamos que haja várias vacinas eficientes que possam ajudar a prevenir que pessoas sejam infectadas. No entanto, não existe bala de prata no momento ? e pode ser que nunca exista`, disse.

Médicos por la Verdad?

A associação que foi chamada de Médicos por la Verdad na Espanha surgiu a partir de um movimento criado na Alemanha que tem o médico Heiko Schöning como um dos líderes. Ela reúne pessoas que acreditam, como Marques, que a pandemia não existe. Uma das profissionais à frente do movimento na Espanha é Natalia Prego Cancelo. Em um dos vídeos em seu canal no YouTube, ela aparece à frente de um protesto com menos de 15 pessoas, gritando `Confinamento, nunca mais`.

Na entrevista para o Comprova, Djalma Marques afirmou ter uma relação com os profissionais envolvidos no Medicos por la Verdad. `Como eu estudei em Barcelona, tenho um contato bastante estreito com médicos que fazem parte`, disse. Sobre uma possível presença da associação no Brasil, ele informou que `ainda não é oficial`.

Por que investigamos?

O Comprova checa informações sobre políticas públicas do governo federal e sobre a pandemia de covid-19 que tenham viralização nas redes sociais. O vídeo do médico Djalma Marques teve mais de 38 mil visualizações no Instagram até 5 de agosto. No Facebook, a publicação na página do médico foi compartilhada 689 vezes e teve mais de 13 mil visualizações.

Marques e a associação Médicos por la Verdad colocam a saúde da população em risco ao utilizar informações enganosas para sugerir uma possível conspiração relacionada à covid-19 e ao criticar o uso de máscara e ao `lockdown`. Eles também indicam o uso da cloroquina e da hidroxicloroquina no tratamento da doença, o que vai contra as recomendações da Organização Mundial da Saúde.

O Comprova já publicou verificações desmentindo a eficácia da cloroquina e da hidroxicloroquina em diversas ocasiões. Entre as investigações mais recentes estão as da médica que usou informações falsas para falar em cura da doença, a da profissional que citou estudos não conclusivos para sugerir uma conspiração contra a cloroquina e do site que relacionou a baixa mortalidade por covid-19 em Cuba à hidroxicloroquina.

Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo retirado do contexto original e usado de forma a induzir a uma interpretação diferente, que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar danos.

Investigação e verificação

Folha e UOL participaram desta investigação e a sua verificação, pelo processo de crosscheck, foi realizada pelos veículos Sistema Jornal do Commercio, SBT, Nexo, Estadão e Piauí.

Projeto Comprova

Esta reportagem foi elaborada por jornalistas do Projeto Comprova, grupo formado por 28 veículos de imprensa brasileiros, para combater a desinformação. Em 2018, o Comprova monitorou e desmentiu boatos e rumores relacionados à eleição presidencial. A edição de 2019 foi dedicada a combater a desinformação sobre políticas públicas. Agora, na terceira fase, o Comprova retoma o monitoramento e a verificação de conteúdos suspeitos sobre políticas públicas do governo federal e eleições municipais, além de continuar investigando boatos sobre a pandemia de covid-19. O SBT faz parte dessa aliança.

Desconfiou da informação recebida? Envie sua denúncia, dúvida ou boato pelo WhatsApp 11 97795 0022.

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