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ENGANOSO: Boato sobre risco de 'guerra civil' no Brasil usa carta antiga de militares da reserva

Confira a verificação realizada pelos jornalistas integrantes do Projeto Comprova

Projeto Comprova/Divulgação
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ENGANOSO: Vídeos no Kwai tiram de contexto conteúdo publicado em um canal do YouTube, em novembro do ano passado, quando oficiais da reserva divulgaram um documento pedindo que os comandantes das Forças Armadas atendessem a manifestações contra a posse do atual presidente, Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

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Conteúdo investigadoPost reproduz comentário do jornalista Luís Ernesto Lacombe em vídeo no YouTube com a legenda "caso não haja uma retomada da democracia, terá guerra civil no nosso Brasil".

Onde foi publicado: Kwai.

Saiba mais:
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Conclusão do Comprova: Posts nas redes sociais enganam ao afirmar que o Brasil está sob o risco de uma "guerra civil" com base em uma carta feita por militares da reserva aos comandantes das Forças Armadas, divulgada em novembro do ano passado. As postagens mostram uma edição antiga do Programa 4 por 4, do jornalista Luís Ernesto Lacombe, e não refletem o momento atual da política brasileira.

Na época, os militares inativos alegaram que o Brasil estava sob um "elevado risco de ingressar rapidamente em uma convulsão social" caso o atual quadro político e institucional fosse mantido. A carta colocava em dúvida a lisura do processo eleitoral e defendia como "natural e justificável" o fato de as pessoas estarem acampadas em frente aos quartéis do Exército pedindo intervenção militar, para evitar a posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), eleito democraticamente.

Dez meses depois, a realidade é outra. Esse tipo de aglomeração foi dispersada pelas forças de segurança pública após o 8 de janeiro, quando centenas de manifestantes montaram caravanas para o acampamento em Brasília e atacaram a sede dos Três Poderes. Mais de 1,3 mil pessoas foram identificadas e respondem pelas suas condutas na Justiça.

Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. Até o dia 21 de setembro, posts idênticos no Kwai acumularam mais de 78 mil visualizações, 5,3 mil curtidas e 2,5 mil compartilhamentos. Eles foram publicados entre o final de agosto e o começo de setembro deste ano na plataforma.

Como verificamos: O conteúdo original foi encontrado por meio de uma busca no Google com as palavras-chave "Lacombe", "carta" e "militares". Essa pesquisa retornou a edição completa do Programa 4 por 4, canal do YouTube apresentado por Luís Ernesto Lacombe, com data de publicação em 27 de novembro de 2022. A partir dessa informação, o Comprova procurou outras notícias para entender e contextualizar o episódio.

A carta dos militares da reserva

No trecho utilizado no conteúdo, Lacombe menciona uma carta de "militares da reserva das três forças". Segundo ele, o documento consiste em um "alerta para a situação de risco de convulsão social no Brasil" e pede "providências" para os comandantes das Forças Armadas diante de supostos "abusos e ilegalidades" do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

A existência do material também foi noticiada pelo jornal Gazeta do Povo. A carta é de autoria de um grupo denominado "504 Guardiões da Nação" e foi assinada por 221 servidores inativos do Exército, da Marinha e da Aeronáutica. O deputado federal General Girão (PL-RN) encabeça a lista.

O documento não menciona explicitamente o termo "guerra civil", mas pressiona o Alto Comando das Forças Armadas a agir a respeito da agitação popular no país. Com base em um relatório do Ministério da Defesa que não encontrou indício de fraude nas urnas eletrônicas, a carta dizia que as Forças Armadas não deveriam aceitar "que se tenha um candidato, quaisquer que seja ele (sic), como próximo presidente" enquanto existissem dúvidas "sobre a legitimidade da escolha, livre e soberana, da vontade da maioria".

O material alegava que os militares seriam os "reais guardiões" da Constituição ? reproduzindo indiretamente uma leitura distorcida sobre o artigo 142 da Constituição Federal de 1988 ? e que a defesa de um golpe de Estado em frente aos quartéis era "natural e justificável" porque o povo brasileiro estava se sentindo "indefeso, intimidado e de mãos atadas" por instituições como o STF e o TSE.

"Dessa forma, aguardamos vossas decisões e depositamos nossa total confiança [?] de que chegarão à melhor solução para apaziguarem os ânimos acirrados, que hoje retiram a tranquilidade dos cidadãos brasileiros e a credibilidade perante o cenário internacional", escreveram.

Contexto diferente

Após a vitória de Lula contra Jair Bolsonaro (PL) no 2º turno das eleições presidenciais, em 30 de outubro, milhares de pessoas passaram a bloquear estradas e frequentar acampamentos em frente aos quartéis-generais do Exército de diversas cidades brasileiras pedindo um golpe militar.

A carta dos militares da reserva municiou esses atos golpistas, que persistiram até a posse de Lula e foram efetivamente dispersados pelas forças de segurança depois dos ataques de 8 de janeiro.

Atualmente, não apenas os acampamentos golpistas foram desfeitos, como os participantes e financiadores do 8 de janeiro estão sendo investigados e punidos na Justiça. O STF julga 1.345 pessoas pelo envolvimento no episódio. Os primeiros três réus foram condenados em 14 de setembro.

O que diz o responsável pela publicação: Os três perfis do Kwai que publicaram o vídeo foram contatados pelo Comprova mas, até a finalização desta verificação, não deram retorno.

O que podemos aprender com esta verificação: A publicação de vídeos antigos, sem a apresentação da data ou do contexto da gravação, é uma tática comum por parte dos desinformadores para dar a entender que é algo atual. Além disso, a utilização de termos alarmantes, como "guerra civil", chama a atenção do público e é outra forma de impulsionar peças de desinformação.

Ao encontrar esse tipo de conteúdo, procure mais informações sobre as falas e o contexto daquela declaração. Também busque informações em canais oficiais e em veículos de comunicação de sua confiança.

Por que investigamos: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas e eleições no âmbito federal e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.

Outras checagens sobre o tema: Conteúdos sobre militares são alvos frequentes de peças de desinformação e já foram verificados pelo Comprova. Recentemente, o projeto mostrou que posts usam vídeo de luta de policiais em Cuiabá para satirizar desfile do 7 de Setembro, que vídeo sobre confronto envolvendo manifestantes e Exército venezuelano na fronteira com o Brasil é de 2019 e que post engana ao associar vídeo de 2022 a início de movimento contra Lula.

Boatos.org analisou o mesmo vídeo desta verificação. O material já havia gerado uma onda de desinformação no ano passado, com posts distorcendo a sua autoria, como mostrou o Estadão Verifica.

Investigação e verificação

Nexo e Estadão participaram desta investigação e a sua verificação, pelo processo de crosscheck, foi realizada pelos veículos O Povo, Folha, Plural, SBT e SBT News.

Projeto Comprova

Esta reportagem foi elaborada por jornalistas do Projeto Comprova, grupo formado por 41 veículos de imprensa brasileiros, para combater a desinformação. Iniciado em 2018, o Comprova monitorou e desmentiu boatos e rumores relacionados à eleição presidencial. Na quinta fase, o Comprova verifica conteúdos suspeitos sobre políticas públicas do governo federal e eleições, além de continuar investigando boatos sobre a pandemia de covid-19. O SBT e SBT News fazem parte dessa aliança.

Desconfiou da informação recebida? Envie sua denúncia, dúvida ou boato pelo WhatsApp 11 97045 4984.

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