Entenda a importância do Libras Esports na luta pela acessibilidade
Idealizadora do projeto revelou objetivo, conquistas, frustrações e desejos para o futuro da iniciativa
01/11/2021
Jessyka Maia de Souza, ou simplesmente suuhgetsu como é conhecida pela comunidade gamer, está abrindo caminho para a acessibilidade nos esportes eletrônicos. Intérprete de Libras de formação e amiga de diversos surdos gamers, suuhgetsu logo percebeu uma necessidade que até então era deixada de lado pela maior parte do cenário e decidiu supri-la criando o projeto Libras nos Esports.
De acordo com a 7ª Edição da Pesquisa Game Brasil (PGB), mais de 70% dos brasileiros jogam videogames, e segundo com um estudo feito em 2019 em conjunto pelo Instituto Locomotiva e a Semana da Acessibilidade Surda, há 10,7 milhões de pessoas com deficiência auditiva em diferentes graus no Brasil. Dessa forma, uma parcela significativa de gamers brasileiros apresentam algum nível de deficiência auditiva.
Com estes números em mente e o objetivo de tornar os esportes eletrônicos mais acessíveis, suuhgetsu fundou em 2017 o Libras nos Esports, um projeto que iniciou focado na comunidade surda, mas com o tempo expandiu para incluir outras formas de deficiências, embora tenha mantido o nome. Para trazer acessibilidade a conteúdos sobre jogos, o projeto oferece a inclusão de Libras, legendas descritivas e áudio.
Serviços esses que ganharam maior visibilidade após Nyvi Estephan passar a incluir interpretação em Libras nos seus vídeos em novembro de 2020, com a própria suuhgetsu. Nyvi luta contra a toxicidade na comunidade gamer e acredita que a inclusão é uma forma de combate. Este ato da apresentadora fez com que, no mês seguinte, o YoPrêmio também incluísse interpretação em Libras e em pouco tempo esta ferramenta de acessibilidade começou a aparecer muito mais em produções de conteúdo voltadas para games.
Suuhgetsu comenta que de início nem divulgava muito o Libras nos Esports, mas com o tempo viu a necessidade de trazê-lo para o mundo e contribuir. "É uma coisa muito necessária, que precisa influenciar as outras pessoas a fazer. A pessoa que não tem a informação não tem como saber, geralmente só quando acontece com ela mesma ou familiares e amigos", revela suuhgetsu.
Por isso, hoje o projeto Libras nos Esports também tem como missão trazer visibilidade à inclusão e acessibilidade e fomentar o mercado, que atualmente carece de profissionais capacitados para a produção de materiais inclusivos.
O projeto de suuhgetsu conta atualmente com uma equipe bem reduzida, com destaque para as contribuições do social media Gabriel "Maizena" Melo, a gestora de projetos Lara "Somerspace" dos Santos, o designer Lucas "neatting" Sousa e a áudio descritora Nicole "Bengala atômica" Somera. Mas está sempre aberto a aceitar novos voluntários que queiram aprender e trabalhar na área. E segundo suuhgetsu, tudo que é preciso para começar é boa vontade.
"Eu tenho a informação e o lugar pra praticar, então se quiser pode vir. Só precisa ter boa vontade", afirma a idealizadora do projeto.
O Libras nos Esports faz tradução de interação de personagens de League of Legends e Wild Rift, aulão de palavras de League of Legends e Valorant, além de seus manuais, tradução de conteúdos da Riot Games e transmissão de campeonatos para PCDs (pessoas com deficiências).
E por falar em campeonatos, nesse domingo (31) aconteceu a final da Copa Rise, uma competição organizada pelo Libras nos Esports que foi transmitida no canal da Twitch da Game Squad. Essa disputa foi destinada a pessoas com deficiência no geral. E, para garantir a acessibilidade e equilíbrio da disputa, uma bancada composta por pessoas de diversas deficiências supervisionou o regulamento para garantir que o torneio abraçaria de fato todos os tipos de PCD. Como um atestado de sucesso, esta é inclusive a segunda edição da competição, a qual teve sua primeira edição em 8 de maio de 2021.
De acordo com suuhgetsu, a interpretação em Libras começou a ser mais solicitada na pandemia. "Como tudo virou virtual e existem leis que obrigam algumas empresas e órgãos a ter intérpretes? Presencial dá pra burlar o sistema. Virtualmente sempre tem que ter intérprete e por isso eles passaram a aparecer muito mais. Nos esports foi uma questão de acúmulo desse fator geral e acontecimento de grandes influenciadores passarem a utilizar, como a Nyvi e o YoPrêmio", reflete a intérprete sobre o assunto.
Mas nem tudo são flores. Mesmo com a acessibilidade estando mais em foco atualmente, a fundadora do Libras nos Esports aproveitou o espaço da entrevista para falar sobre a relação das organizações de esports com a acessibilidade e até dar umas alfinetadas.
Suuhgetsu afirma que a Rensga BitPreço é a única organização que tem de fato preocupação com a acessibilidade e tem Libras e legenda em tempo integral em memes e vídeos institucionais. Mas a Rensga não é a única organização que tem conhecimento da importância da inclusão de Libras e legendas em seus conteúdos. Tanto que outras empresas já a procuraram para orçar os serviços, embora sigam sem utilizar os recursos.
"Muitas organizações já pediram orçamento e nunca fecharam nada, têm consciência e não fazem nada. Organizações que chegaram a criar projeto e tudo, recebi por ele (o projeto) e não foi pra frente? Isso é o pior, eu não entendo. Não precisa fazer comigo, há outras pessoas que fazem isso", disse suuhgetsu revelando sua frustração.
Suuhgetsu já é parceira da Riot Games e, por conta disso, fica muito mais fácil o seu projeto trabalhar com conteúdos dos jogos dessa desenvolvedora. Mas suuhgetsu deixa claro que não gostaria de se limitar a uma única publisher:
"Tenho muita vontade de fazer em vários outros jogos como CoD (Call of Duty) e Free Fire, mas eu vou ter que coordenar uma equipe pra fazer a criação de conteúdo", conta suuhgetsu.